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O governo da divisão

O discurso do 'povo contra os ricos' pode até servir a um palanque político, mas não constrói nação

por Henry Atique
Publicado em 10/10/2025 às 22:33Atualizado em 11/10/2025 às 10:57
Henry Atique (Henry Atique)
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O governo federal parece ter se tornado refém do mesmo discurso que diz combater. O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sempre acusam a direita de promover a polarização, o radicalismo e o ódio político no país. Mas, ao observar a conduta do próprio governo nos últimos dias, é impossível não reconhecer a contradição gritante: é o próprio Palácio do Planalto que hoje alimenta os mesmos extremos que antes dizia rejeitar.

A reação de Lula e Haddad à derrota da medida provisória que previa o aumento de impostos sobre transações financeiras foi um retrato perfeito desse paradoxo. Em vez de reconhecer que o Congresso Nacional exerceu seu papel legítimo, o governo preferiu partir para o confronto ideológico. O presidente voltou ao velho discurso de “ricos contra pobres”, como se o Brasil fosse uma arena de classes e não uma nação que precisa, antes de tudo, de equilíbrio, diálogo e responsabilidade.

O ministro da Fazenda, por sua vez, culpou o “lobby dos privilegiados”, insinuando que o Congresso teria se curvado aos interesses dos mais ricos. É curioso que o mesmo governo que se apresenta como defensor da democracia e do diálogo institucional agora escolha o caminho da acusação, do ressentimento e da retórica de guerra. Ao invés de reconhecer que a sociedade brasileira já não suporta mais o peso de uma carga tributária sufocante, o governo insiste em apontar culpados e dividir o país.

O discurso do “povo contra os ricos” pode até servir a um palanque político, mas não constrói nação. Ele ignora um fato básico: o setor produtivo é quem sustenta o país. A maioria dos rotulados como “ricos” são empresários, empreendedores e profissionais que trabalharam duro, arriscaram e arriscam, geram empregos e ajudam a manter de pé um Estado que agora os trata como inimigos. Tratar o sucesso como pecado e o lucro como imoralidade é a maneira mais eficiente de paralisar a economia e afastar investimentos.

Enquanto condena os que produzem, o governo amplia seus próprios gastos, aumenta a máquina pública e demonstra total resistência a qualquer tipo de reforma administrativa ou corte de despesas. O discurso da “justiça social” perde credibilidade quando é usado para encobrir a incapacidade de administrar com eficiência. Arrecadar mais não é sinônimo de governar melhor. Ao contrário: é sinal de um Estado que, em vez de se modernizar, transfere ao cidadão a conta da sua própria ineficiência.

Não é a primeira vez que Lula e Haddad recorrem à velha tática de dividir para governar. Agora, o discurso não é apenas político – é moral. De um lado, estariam os “pobres oprimidos”; de outro, os “ricos exploradores”. É um maniqueísmo perigoso, que tenta transformar brasileiros em inimigos entre si. Essa lógica, além de injusta, destrói o tecido social e enfraquece o espírito de cooperação que qualquer país precisa para crescer.

A ironia é que o mesmo governo que acusa a direita de extremismo e intolerância agora se comporta como uma verdadeira extrema-esquerda: intervencionista, hostil à iniciativa privada e avessa a qualquer crítica, mostrando que o radicalismo não tem cor partidária - tem conveniência política.

O Brasil precisa de moderação, de responsabilidade e de líderes que compreendam que os mais pobres precisam sim ser amparados, mas que o lucro não é vilão, que o empresário não é inimigo e que arrecadar não é um fim em si mesmo, mas um instrumento para devolver à sociedade o que dela se recebe. O resto é discurso vazio – e dele, o Brasil já está exausto.

Henry Atique

Advogado, professor, ex-presidente da OAB Rio Preto e conselheiro estadual da OAB/SP