Diário da Região
Editorial

Na conta do Coronel

Ao manter no comando um gestor sob acusação de injúria racial, o prefeito assume para si a responsabilidade política e moral pelo ato

por Da Redação
Publicado em 09/08/2025 às 21:48
Editorial (Reprodução)
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Em um inquérito minucioso, em que lançou mão de tecnologia de ponta, inclusive inteligência artificial (IA), o delegado Renato Camacho, da delegacia Seccional de Rio Preto, indiciou o vice-prefeito e secretário de Obras, Fábio Marcondes (PL), por injúria racial, no último dia 31. A investigação confirmou que Marcondes utilizou o termo racista "macaco velho" ao se referir a um segurança negro do Palmeiras, após partida em Mirassol no dia 23 de fevereiro deste ano.

O fato, por si só, já seria grave o suficiente para exigir do prefeito Coronel Fábio Candido (PL) uma reação dura e imediata. Mas o que se viu foi exatamente o oposto: complacência, proteção e a garantia de que o aliado permanece no governo pelo tempo que quiser.

Em entrevista logo após o indiciamento, o prefeito fez uma defesa apaixonada do correlegionário. "Ele (Marcondes) está prestando um bom serviço como vice-prefeito e secretário de Obras e dará continuidade aos trabalhos aqui". Pior que isso: disse que o processo "é um fato particular" do secretário de Obras.

É no mínimo estranho, para não utilizar outro termo, que alguém que ascendeu politicamente com o discurso de integridade, e baseou a campanha eleitoral na sua carreira dentro da Polícia Militar, tratar o cometimento de um suposto crime como um mero "fato particular". Definitivamente não é algo que se espera de um prefeito e muito menos de um ex-agente da segurança pública.

Injúria racial, o Coronel deve saber disso, é crime de acordo com a lei nº 14.532/2023, com pena de dois a cinco anos de prisão. Uma acusação de injúria racial não é um detalhe privado; é um crime gravíssimo, equiparado ao racismo, sendo imprescritível e inafiançável. Quando o acusado ocupa posição de liderança no governo, a questão deixa de ser apenas policial e passa a ser política e institucional. Manter Marcondes no cargo é passar ao contribuinte a mensagem de que acusações de racismo não são suficientemente relevantes para afastar um aliado do poder.

A postura do prefeito é ainda mais indefensável porque houve, sim, um afastamento inicial - apenas enquanto o caso repercutia fortemente nas redes sociais e na imprensa. Quando a poeira baixou, Marcondes foi reintegrado como se nada tivesse acontecido. Essa manobra revela que a preocupação não era com a gravidade da acusação, mas com o desgaste momentâneo na imagem do governo. Trata-se de um cálculo político vergonhoso.​​​​​

Aliás, caso Marcondes seja responsabilizado judicialmente, não será o primeiro secretário com problemas na Justiça a quem o Coronel dá apoio: o secretário de Saúde, Rubem Bottas, possui condenação em segunda instância por ameaça de morte contra a ex-mulher. E segue firme e forte no cargo.

Resta saber até quando esse relativismo do Coronel permanece. Marcondes tem vaga assegurada no governo até ser denunciado pelo Ministério Público? Condenado pela Justiça? Mesmo com trânsito em julgado? Ou será, por assim dizer, blindado eternamente pelo prefeito-colega por seu "bom serviço" prestado?

O que está em jogo aqui não é apenas o destino político de Marcondes, mas o exemplo que a Prefeitura dá para a cidade. Ao manter no comando um gestor sob acusação de injúria racial, o prefeito assume para si a responsabilidade política e moral pelo ato - e, com isso, mancha sua própria autoridade. Rio Preto merece mais do que desculpas protocolares e justificativas burocráticas. Merece um governo que tenha coragem de dizer, com ações e não apenas palavras, que racismo não se tolera.