Diário da Região
ARTIGO

Um festival que não teve vergonha do artista local

No quesito valorização dos grupos de teatro locais, a organização acertou em cheio

por Lawrence Garcia
Publicado em 28/07/2025 às 18:55Atualizado há 21 horas
Lawrence Garcia (Lawrence Garcia)
Lawrence Garcia (Lawrence Garcia)
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Nestes 15 anos trabalhando com teatro em São José do Rio Preto sempre ficou escancarado para mim, em se tratando do FIT, aquele velho ditado: “santo de casa não faz milagre”. Para os artistas locais, era frequentemente reservado o menor teatro, o cantinho separado no catálogo e fazer a abertura do festival então: IMPENSÁVEL. O complexo de vira-lata era tão grande que certa vez ouvi de um gestor, em uma reunião pública, que se os grupos de Rio Preto concorressem no mesmo edital que os grupos nacionais “não passavam dois”.

Eram frequentes algumas “pegadinhas” no edital. A de 2023, por exemplo, foi pedagógica: a secretaria fez uma proposta inicial de cinco grupos com duas apresentações cada, os grupos se reuniram e solicitaram que se tirasse uma apresentação de cada para dobrar a quantidade de grupos. No final, devido a outros custos, ficou acordado oito grupos com uma apresentação cada. No edital veio escrito “até 8 grupos” e foi então que a “curadoria” resolveu colocar cinco grupos com uma apresentação cada, ou seja, o mesmo número de grupos proposto pela secretaria, mas com metade das apresentações.

Só que neste ano foi diferente. Contrariando todas as expectativas, ninguém tentou passar para trás os grupos locais. Foram 16 espetáculos de 12 grupos diferentes, 10 espetáculos selecionados por edital, três parcerias com o ProAc e três viabilizados pelo Sesi. Foram 38 apresentações, quantidade essa que até o ano passado era inimaginável. Além disso, tivemos curadores e críticos de vários países e regiões do Brasil visitando as sedes dos grupos que estavam na programação. Em suma, os grupos locais nunca estiveram tão dentro do FIT como em 2025.

Eu não sei se foi o orçamento enxuto, a saída do Sesc ou vontade política, o que eu sei é que não podemos mais voltar ao modelo anterior. O artista de Rio Preto é referência por onde passa, se apresenta no mundo inteiro e não pode ficar excluído do festival de sua própria cidade.

Eu não estou aqui dizendo que o festival foi perfeito, obviamente teve problemas, como toda edição têm e não foi “o melhor FIT de todos” como o governo tentou propagandear, mas também não foi o pior como muitos apostavam. Eu estou dizendo simplesmente que, no quesito valorização dos grupos de teatro locais, a organização acertou em cheio e precisa manter isso como uma política permanente e não uma exceção temporária. Essa valorização é boa para a cidade, é boa para o Festival e é excelente para o teatro rio-pretense.

Lawrence Garcia

Diretor da Cia. Apocalíptica de Teatro