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Sobre a alegria de fracassar

Consegui ressignificar o sentido do que fiz esse ano e romper com os discursos

por Luana Flor
Publicado há 5 horasAtualizado há 2 horas
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Dia desses, gastando tempo nas redes sociais, vi duas postagens que me chamaram a atenção e que me ajudaram a “encerrar” esse ano com um pouco mais de alegria e leveza.

A primeira é de uma influencer babi_amaral que falava sobre como tentamos inutilmente resolver todas as demandas da nossa vida, segundo ela, “querendo controlar até o clima”, tarefa que sabemos ser inglória. Em outros vídeos, babi_amaral chama a atenção para o fato de nós mulheres nos colocarmos em uma posição de “heroínas da Marvel” de resolvedoras de problemas.

Trabalho, filhos, vida doméstica, saúde, questões financeiras, tudo recai na maioria das vezes sobre a responsabilidade das mulheres que movem céus e terras para dar conta, para “entregar” o que é esperado. Mas a que preço? Quanto custa não deixar a peteca cair? Qual o custo para o nosso corpo e para a nossa mente? Nessa correria desenfreada que não se sabe bem para onde é claro que adoecemos!

Adoecemos, pois, exigimos do nosso corpo noites de sono mal dormidas, pois não nos alimentamos nos horários corretos (a hora do almoço para muitas se torna uma maratona de banco, médico, farmácia, exames, reuniões na escola do filho etc), não nos hidratamos e até adiamos o máximo possível a ida ao banheiro para que possamos concluir e entregar alguma tarefa. Nossa mente também adoece porque não respeitamos nossos limites ou ainda não temos o devido reconhecimento do que fazemos.

Com a chegada do fim do ano é costume que muitos façam um exame do que foi o ano, das metas que foram alcançadas ou não. Falando por mim, a sensação de não cumprimento daquilo que foi proposto sempre me dilacera. Por mais que tenha corrido, trabalhado a sensação de que nunca era o bastante, a sensação de dívida sempre prevalecia.

Mas esse ano finalizo de forma diferente, ao ver outro vídeo em uma rede social em que o Padre Júlio Lancellotti dizia se reconhecer como um fracassado “nesse sistema” capitalista que nos explora, corpo e mente, nos separa e nos desumaniza.

Consegui ressignificar o sentido do que fiz esse ano e romper com os discursos de que o trabalho torna as pessoas melhores e mais dignas, nos sujeitando à exploração; de que mães possuem capacidades excepcionais de cuidado, tirando a responsabilidade dos pais, do Estado e da sociedade na formação das crianças; de que mulheres são donas de casa, eximindo os companheiros desses cuidados; de que somos todos iguais e que as oportunidades vêm para os merecedores, dissimulando a responsabilidade do Estado e da sociedade em geral de superação de desigualdades estruturais como o racismo, a questão de gênero, a homofobia, o etarismo, o classismo etc.

Nesses últimos dias de 2025, comemoro meus fracassos, cada coisa que deixei de fazer por falta de tempo ou vontade, cada conversa com os amigos, cada momento com a minha filha, cada aula que ministrei, cada abraço das crianças do 6º ano, cada filme e música que eu ouvi, cada doce gostoso que eu fiz e comi, e ainda, comemoro o maior fracasso: esse sentimento de incômodo com a vida que faz com que eu não desista de continuar trabalhando e lutando para que o mundo se torne um pouco melhor.

Luana Flor

Professora da Rede Pública