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Segregação ou resgate da dignidade?

Acusar quem propõe o resgate desses cidadãos de ser “higienista” é irresponsável

por Eduardo Tedeschi
Publicado há 8 horas
Eduardo Tedeschi (Divulgação)
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Eduardo Tedeschi (Divulgação)
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Li o artigo da psicóloga Márcia Rocha sobre o Programa Social Resgate, aprovado pela Câmara de Rio Preto. Causa espanto a tentativa de associar uma proposta de acolhimento e recuperação a algo “higienista” ou “manicomial”. Essa retórica, travestida de humanismo, ignora a realidade visível nas ruas: pessoas degradadas, doentes, violentadas pelo vício e abandonadas pelo Estado.

Chamar de “segregação” o esforço de salvar seres humanos que perderam o domínio sobre a própria vida é um erro. Ou má-fé intelectual. Quando alguém perde a lucidez e a capacidade de decidir por si, não há “autonomia” a preservar, mas um ser humano em sofrimento a ser protegido. Confundir liberdade com abandono é negar a compaixão.

Acusar quem propõe o resgate desses cidadãos de ser “higienista” é irresponsável. Seria como dizer que um médico é tirano por intubar um paciente inconsciente. A diferença é que, neste caso, a doença destrói o corpo e a alma.

A dependência química grave é reconhecida pela OMS e pela American Psychiatric Association como transtorno que compromete o julgamento e a autodeterminação. Nessas situações, a internação involuntária não é violência, mas último recurso médico e social para resgatar a dignidade. A Lei nº 10.216/2001 prevê essa medida com laudo e supervisão judicial, e o projeto está em conformidade com a legislação.

A acusação de “higienismo” beira o delírio teórico. Proteger um cidadão em colapso não é persegui-lo. O programa busca incluir quem já foi excluído de tudo. Higienismo seria deixá-los apodrecer nas calçadas em nome de uma falsa liberdade.

Entre 2001 e 2004, os progressistas da cidade tiveram espaço na administração pública. Tinham poder e instrumentos, mas o problema só se agravou. A política da “redução de danos”, defendida como moderna, fracassou: o Estado oferecia drogas mais leves para substituir as pesadas, acreditando que o usuário mudaria. O resultado foram comunidades devastadas e dependentes ainda mais distantes do tratamento. Estudo do National Institute on Drug Abuse mostra que a taxa de recuperação nesses programas é inferior a 18%.

Não se trata de “limpar a cidade”, mas de limpar o olhar da hipocrisia. Ver pessoas dormindo sob marquises e chamar isso de “autonomia” é ofender a compaixão. Essa inversão de valores transformou o abandono em virtude.

O Programa Social Resgate propõe uma mudança de paradigma: unir acolhimento médico, assistência social, reinserção profissional e, quando necessário, internação temporária. Isso não é retrocesso, é responsabilidade.

É fácil defender teorias atrás de uma mesa. Difícil é encarar a realidade das ruas, onde vidas só podem ser salvas quando a sociedade decide intervir com técnica, humanidade e coragem.

Chamar isso de higienismo é desrespeitar quem luta pela recuperação e os profissionais que enfrentam diariamente o abismo do vício. O verdadeiro crime é fingir que essas pessoas ainda são livres.

A cidade não precisa de discursos morais, mas de políticas eficazes, baseadas em ciência e bom senso. O Resgate que propomos não é o da aparência urbana, mas o da vida humana.

Eduardo Tedeschi

Vereador e advogado.