Sardinha frita, monografia, amigo preso e educação
O que fica no coração e que tento passar para os mais jovens é que estudo ninguém tira

No sábado passado meu irmão Ricardo veio almoçar comigo e com minha mãe. Fiz uns peixinhos fritos que a nonna havia pedido. Pra quem não sabe, os cardápios de sábado são sempre escolhidos por ela. Mas, além das sardinhas terem ficado ótimas e eu ter passado mais de uma hora fritando peixe, deixando a casa toda impregnada, o que me deixou feliz foi meu irmão ter trazido um calhamaço de folhas antigas, amareladas, grampeadas. Na capa estava escrito monografia. Era meu TCC de jornalismo. Nem sei como aquilo estava com ele. “Toma aí ó, estava lá em casa”. Voltei no tempo. Fiquei nostálgico por dias.
Tenho um certo orgulho e também tristeza pela monografia. Na época, orientado primeiro pelo saudoso professor Wilson Guilherme e depois pelo intelectual Edward Pimenta Jr, decidi fazer algo novo, do meu dia a dia. Um amigo de infância, da Maceno, onde morei por uns 20 anos, o Feio, tinha se metido em confusão e foi preso. Eu pensava no tema do trabalho e comentei na faculdade. E e se eu fizer um jornal para presos? O jornal do presidiário.
Todo mundo gostou. Era inédito. Entrevistei muita gente, reuni relatos importantes e fiz um baita conteúdo. O jornal seria uma forma dos presos se ressocializarem, participando da produção, contando o dia a dia, com psicólogos, assistentes sociais, juristas, educadores. Me envolvi demais, mas concluí o trabalho, tirei uma boa nota e segui a vida.
Me formei e no ano seguinte recebi uma ligação de um coordenador da pastoral carcerária de São Paulo, que eu havia entrevistado. Queria falar urgente comigo. Uma ONG alemã tinha verba para viabilizar o projeto. Fui a São Paulo, conversamos, mas não foi pra frente. Muita gente dizia que eu deveria seguir estudando, fazer mestrado, doutorado. Mas desisti e fui trabalhar. Quando a gente é jovem acredita demais nas pessoas e quer mudar o mundo. Quer fazer justiça, principalmente no jornalismo. Lembro do Wilson Guilherme na redação da extinta Folha de Rio Preto gritando: “Tenho um aqui que só gosta de pobre e só quer ajudar. Para com isso, precisamos fazer jornalismo com todos. Isso é jornal, não centro de caridade”. O tempo passou e fui aprendendo. Hoje entendo muito do que ignorei antes.
Fui pro mercado. Trabalhei mais um tempo em redação e depois fui pra assessoria de imprensa, onde me encontrei e estou até hoje. O que fica no coração e que tento passar para os mais jovens é que estudo ninguém tira.
Educação transforma. Muda vidas mesmo. Te leva pra lugares que você nem imagina. Hoje temos IA, acesso fácil a tudo, algo até impensável perto do que era quando me formei em 2002, na Unorp. Por isso, o que fica daquela peixada e do calhamaço amarelado foi a certeza. Estudo é o único jeito real de mudar vidas. Vamos estudar, galera.
Henrique Fernandes
Jornalista; Rio Preto