Diário da Região
PAINEL DE IDEIAS

Quase tudo sobre meu pai

Neste 10 de agosto em que se comemora o Dia dos Pais, homenageio em nome dele todos os genitores, sendo eles biológicos ou adotivos, excetuando-se aqueles que não cumprem seu papel

por Merli Diniz
Publicado em 06/08/2025 às 19:15Atualizado em 06/08/2025 às 22:19
Merli Diniz (Merli Diniz)
Merli Diniz (Merli Diniz)
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Nesses tempos de cólera pelo qual passa a humanidade, ao contrário do “Tempos do Cólera”, de Gabriel Garcia Marques e como ele, que aborda o amor que resiste ao tempo apesar das circunstâncias, escolho falar de afetos, empatia, solidariedade. Enfim, preocupação com o outro, que retrata muito bem a trajetória de Joaquim Batista Diniz, meu inesquecível progenitor.

Desde muito cedo, aprendemos com ele a ajudarmos aqueles que mais precisavam de acolhida, os quais se encontravam na condição de vulnerabilidade social. Quando a campainha da nossa casa, na rua Barão do Rio Branco, tocava, invariavelmente era alguém precisando de ajuda e claro, era sempre atendido em seus pleitos. Para fazer justiça, mamãe foi a grande parceira dele nessa empreitada de altruísmo.

Meu pai querido nasceu no ano de mil novecentos e onze e morreu aos noventa anos. Atravessou dois séculos. Presenciou profundas mudanças no mundo, enquanto durou seu passeio pela terra. E não foram poucas: guerras, revoluções, ditaduras. Os costumes, a moral, a tecnologia, a religião e os valores estabelecidos no pós-guerra viraram o mundo de cabeça para baixo. Diante de tudo isso, poderia ter sido um homem em distonia com o seu tempo. Pelo contrário, conseguiu acompanhar significativamente todas as transformações.

Entretanto, quando os filhos atingiram a idade adulta, pensando que “perderia o mando sobre eles”, não se encolheu nem se recolheu ao conformismo. Ficou firme, resistindo até o final de seus dias, em sua posição como chefe da família.

Leitor assíduo, ensinou-nos desde cedo os valores da leitura e da educação - tanto que voltou a estudar depois de adulto, diplomando-se em Contabilidade. Era espírita atuante e também palestrante. Da estante bonita em nossa casa, repleta de livros dos mais variados assuntos, conheci Allan Kardec, passando por Marx e os poetas Castro Alves, Augusto dos Anjos, que muito novinha tive a oportunidade de me encantar com suas poesias.

Cuidou sempre da nossa saúde e bem-estar. Tomamos todas as vacinas existentes à época. Dizia-nos continuamente que *em casa que entra o sol, não entra o médico e que o que se gasta com comida não se gasta com remédios*. Incorporamos tais informações e delas ainda fazemos uso, pois apesar do passar do tempo, continuam sendo verdadeiras. Tinha o bizarro hábito de misturar ao vinho, plantas medicinais, para tratar eventuais problemas de saúde dele, da família e dos aventureiros que se mostrassem receptivos a experimentarem suas poções. E se a gente se não aceitasse suas indicações terapêuticas, não ficava nada feliz.

Neste 10 de agosto em que se comemora o Dia dos Pais, homenageio em nome dele todos os genitores, sendo eles biológicos ou adotivos, excetuando-se aqueles que não cumprem seu papel com responsabilidade, fogem da raia deixando os encargos de toda natureza para a mulher.

Parafraseando Almodóvar, quase tudo sobre meu pai, mas não o suficiente para uma justa homenagem.

Tenho muita saudade dele. Por isso, recorro à escrita no intento de amenizá-la.

Artimanhas do coração.

MERLI DINIZ

Professora, advogada, poeta e cronista. Vice coordenadora da Comissão de Direito e Literatura da 22ªSubseção da OAB Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às quintas-feiras