Pela moderação
Civilização é, em grande parte, isso: uma tentativa permanente de suavizar os extremos

O mundo pulsa em ritmos. As marés avançam e recuam, as estações se sucedem, os dias encurtam e se alongam, os humores humanos sobem e descem. Nada permanece estático. Essa percepção já aparecia nos ensinamentos de Hermes Trismegisto, figura enigmática do Egito antigo, apontado como fundador da filosofia hermética. Entre seus sete princípios está o do Ritmo: tudo flui e reflui, como um pêndulo que nunca para de oscilar.
Se o movimento pendular é inevitável, qual é o nosso papel? Na esfera da natureza, aprendemos a buscar o equilíbrio. Usamos a tecnologia para nos proteger dos extremos: o ar-condicionado contra o calor excessivo, o aquecedor contra o frio rigoroso, as barragens contra as cheias, as vacinas contra as doenças. Em vez de aceitar resignados a violência dos ciclos, construímos amortecedores. Civilização é, em grande parte, isso: uma tentativa permanente de suavizar os extremos que a natureza nos impõe.
Quando saímos do domínio físico e entramos no campo das ideias, fazemos o oposto. Em vez de construir dispositivos de equilíbrio, criamos câmaras de eco. Afastamo-nos de quem pensa diferente, bloqueamos, silenciamos, cancelamos. Só lemos o jornal que confirma nossas crenças. Viver em uma bolha pode parecer seguro, mas é apenas isolamento. Equilíbrio supõe convivência com o diferente, capacidade de suportar atrito sem perder a lucidez.
Sem equilíbrio, a dinâmica do pêndulo se acentua. Em vez de reduzir os extremos, os alimentamos. O debate deixa de ser construção e passa a ser um cabo de guerra. A política vira confronto; discordância é ameaça. Quanto mais um grupo puxa o pêndulo para um lado, mais energia acumula para o retorno. A lógica dos algoritmos, que privilegiam engajamento e emoção, reforça os discursos mais estridentes. Empurre forte demais para um lado, e o retorno virá com intensidade equivalente para o outro.
Instalada a guerra, o moderado é acusado de “isentão” e de ser responsável pelo avanço do inimigo. Confunde-se equilíbrio com omissão, prudência com covardia. Mas o culpado pelo balanço violento do pêndulo não é quem tenta estabilizá-lo; é quem insiste em puxá-lo aos extremos. Defender a moderação não é negar o debate; é reconhecê-lo. Insistir na moderação é ato de responsabilidade: não para impedir o movimento do pêndulo, mas para evitar que ele nos atinja, amanhã, com a mesma violência que aplicamos hoje.
Fernando Cosenza Araujo
Bacharel em Relações Internacionais pela UnB, Mestre e Doutor em Administração Pública pela FGV-SP.