Padres podem casar?
A presença dos respectivos ministros casados suscitou o protesto dos bispos latinos

Ouvi de um teólogo católico que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) era uma invenção brasileira e que não sabia que padres de origem anglicana poderiam casar. Confesso que fiquei muito surpreso, afinal, o Concílio Vaticano II instituiu as Conferências Episcopais nacionais e regionais pelo decreto Chistus Dominus (36-38) em 28 de Outubro de 1965, pelo Papa Paulo VI. A da França já existia desde 1919.
Mas a curiosidade é que padres podem ser casados, mas não na Igreja Católica de rito Latino, somente nas orientais. Bem, nem todas, a Igreja incorporou 23 igrejas orientais que têm rito próprio, sendo que 21 delas permitem formar sacerdotes que já estejam casados.
Recentemente, a Igreja Católica publicou, em 4 de novembro de 2009, a "Constituição Apostólica Anglicanorum coetibus", documento em que Bento XVI apresenta as normas para o regresso dos grupos anglicanos à Igreja Católica. Os sacerdotes anglicanos, ou episcopais, como são chamados nos Estados Unidos, podem ser casados também.
O código 758 §3 do Código Canônico das Igrejas Orientais estabelece que: "Quanto à admissão às ordens sagradas dos casados, observe-se o direito particular da própria Igreja sui iuris ou as normas especiais estabelecidas pela Sé Apostólica". Isto permite que cada Igreja sui iuris possa decidir sobre a admissão de homens casados às ordens sagradas. Atualmente, todas as Igrejas orientais católicas podem admitir homens casados ao diaconato e ao presbiterato, com exceção das Igrejas siro-malabar e siro-malankara.
Os sacerdotes casados fora dos territórios orientais tradicionais tornaram-se um problema a partir de 1880, quando milhares de católicos rutenos da Eslováquia, Polônia, Romênia e Ucrânia ocidental emigraram para os Estados Unidos da América. A presença dos respectivos ministros casados suscitou o protesto dos bispos latinos, pois tal presença provocaria um "gravissimum scandalum" junto dos fiéis latinos. Por isso, a Congregação de Propaganda Fide, com decreto de 1 de outubro de 1890, proibiu ao clero ruteno casado residir nos EUA.
Em 1913, a Santa Sé decretou que no Canadá apenas os celibatários poderiam ser ordenados sacerdotes. Nos anos de 1929 e 1930, a então Congregação para a Igreja Oriental (CCO) emanou três decretos pelos quais proibia o exercício do ministério aos sacerdotes orientais casados em certas regiões. Com a privação dos ministros do seu próprio rito, um número estimado em cerca de 200.000 fiéis rutenos passou à ortodoxia.
Isso persistiu até que a Sessão Plenária da Congregação para as Igrejas Orientais, realizada de 19 a 22 de novembro de 2013 no Palácio Apostólico, tratou amplamente da questão e apresentou ao Santo Padre o pedido de conceder às respectivas Autoridades Eclesiásticas a faculdade de permitir o serviço pastoral do clero casado oriental também fora dos territórios orientais tradicionais.
O Santo Padre Francisco, na audiência concedida ao Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, cardeal Leonardo Sandri, em 23 de dezembro de 2013, aprovou o pedido. Assim, deixou de ser estranho ver padres casados entre nós.
Mario Eugenio Saturno
Tecnologista Sênior do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e congregado mariano