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ARTIGO

O transbordamento de uma sociedade que só reage

Quando até um chinelo vira campo de batalha, o problema não é o chinelo

por Bruna Bârbosa
Publicado há 5 horasAtualizado há 2 horas
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Vivemos um tempo em que quase tudo vira gatilho. Um post, uma frase, uma imagem — e agora até um comercial de chinelos. A recente polêmica envolvendo a campanha da Havaianas mostrou algo que vai muito além de direita ou esquerda: revelou o quanto estamos vivendo em estado permanente de reatividade.

Um simples slogan publicitário foi suficiente para dividir pessoas em lados opostos, gerar boicotes, ataques, vídeos de destruição simbólica e uma avalanche de ódio. Não porque o comercial fosse, em essência, uma provocação política, mas porque tudo hoje é interpretado como ameaça identitária. Se você pensa diferente de mim, você vira inimigo. E se uma marca não reflete exatamente o meu lado, ela também passa a ser alvo.

Do ponto de vista da neurociência, isso faz todo sentido — e ao mesmo tempo é profundamente preocupante. Quando estamos exaustos, sobrecarregados e hiperestimulados, nosso cérebro opera mais no modo de ameaça do que no modo de análise. A amígdala, centro emocional do cérebro, reage antes que o córtex pré-frontal — responsável pelo pensamento crítico — tenha tempo de entrar em ação. Resultado? Interpretamos, julgamos e atacamos antes de compreender. Não estamos vivendo uma sociedade que pensa. Estamos vivendo uma sociedade que reage.

A Psicologia Positiva já mostra que estados prolongados de estresse, polarização e sensação de insegurança reduzem nossa capacidade de empatia, escuta e nuance. Tudo vira binário: certo ou errado, nós ou eles, aliados ou inimigos. E o que não cabe nessa lógica vira alvo.
Já o mindfulness nos lembra de algo simples e revolucionário: reagir não é o mesmo que responder. Reagir é automático. Responder exige pausa, presença e consciência. O que vimos no caso da Havaianas foi uma avalanche de reações sem respiração, sem curiosidade, sem disposição para compreender contexto, intenção ou complexidade.
Quando até um chinelo vira campo de batalha, o problema não é o chinelo. É o nível de tensão emocional da sociedade.

Talvez o maior sintoma do nosso tempo não seja a polarização, mas a incapacidade de pausar. Sem pausa, não há presença. Sem presença, não há diálogo. E sem diálogo, qualquer coisa — até uma propaganda — vira guerra.

O que estamos vendo é o transbordamento de uma sociedade cansada demais para pensar e rápida demais para sentir. E enquanto não aprendermos a respirar antes de reagir, continuaremos brigando por símbolos, enquanto perdemos o que realmente importa: a nossa humanidade.

Bruna Bârbosa

Jornalista, escritora e especialista em Neurociência, Psicologia Positiva e Mindfulness