O rock não errou
Os “então jovens” dos anos 60 e 70, que testemunharam a submissão de políticos que apoiavam o regime militar, têm o dever de combater qualquer tentativa de se ressuscitar aquele regime cretino

Em 2013, o jornalista e escritor Ricardo Alexandre publicou o livro “Dias de luta: o rock e o Brasil dos anos 80”. Trata-se de uma obra muito pertinente e precisa, visto que o autor, além de registrar um período único da música brasileira, conseguiu, também, contextualizá-lo em um momento histórico marcado por rupturas político-ideológicas e de recomeços (para a democracia, para a cultura, para a sociedade etc.). E foi esse contexto que transformou o rock nacional em um fenômeno inédito no país.
Os jovens roqueiros dos anos 80, eram os mesmos brasileiros que viveram a adolescência durante a ditadura militar, regime esse que tornou presos políticos jornalistas, professores, pais e mães de família, artistas e quaisquer outros cidadãos que se opunham ao governo militar e/ou reivindicavam a redemocratização para o Brasil.
O autor lembra que, no decorrer do governo de Ernesto Geisel (1974/79), a pressão da sociedade pelo fim da ditadura militar foi se intensificando, pressão essa legitimamente embasada pelas atrocidades promovidas pelo regime, como por exemplo, a prisão e o desaparecimento do deputado Rubens Paiva (1971), a prisão, seguida de tortura e enforcamento do jornalista Vladimir Herzog (1975), o assassinato de Carlos Lamarca (1971) e o acidente automobilístico suspeito que vitimou a estilista Zuzu Angel (1976). A lista de atrocidades é extensa e, além delas, somam-se os exílios e as sessões de tortura que, quando não resultaram em mortes, deixaram marcas de terror e danos psicológicos em centenas de indivíduos que lutavam pela liberdade de milhões de brasileiros.
Porém, somente em agosto de 1979, o então presidente João Figueiredo sancionaria a Lei da Anistia, motivada, certamente, pelas diversas greves promovidas por sindicatos, pelas manifestações que apoiavam a reconstrução da União Nacional dos Estudantes, passeatas, atos públicos e tantos outros movimentos populares em favor da Anistia. Falando em anistia, a luta por ela durante o regime militar era para reparar erros cometidos contra pessoas que lutavam pela liberdade e pela democracia. E não para anistiar golpistas e defensores de ditaduras como alguns tramam atualmente.
Ainda no governo de Figueiredo, foi que vieram à tona os últimos atos terroristas praticados pelos militares: dois atentados a bomba (um na sede da OAB e outro na Câmara Municipal do Rio de Janeiro) e outros dois, sendo um na sede do jornal “Tribuna da Luta Operária” e o segundo na sede do jornal “Hora do Povo”. E, por último, o atentado em 30 de abril de 1981, durante o show em comemoração ao Dia do Trabalho, quando um sargento e um capitão do Exército pretendiam detonar o explosivo no estacionamento do pavilhão de exposições e shows no Centro de Convenções do Riocentro, e atribuir a culpa a grupos de esquerda (como isso soa familiar, não é?). O plano falhou quando o explosivo detonou matando o próprio sargento e ferindo o capitão.
O fato é que, a partir da segunda metade dos anos 80, bandas, cantores e cantoras de rock nacional passaram a ter o protagonismo e a liberdade para cantar temas que foram proibidos aos jovens dos anos 60, 70 e início dos 80. Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial, RPM Paralamas do Sucesso, Lobão, Titãs, Barão Vermelho, Blitz, Ira, entre outros, deram voz aos jovens brasileiros calados por duas décadas e meia de ditadura militar, período em que críticas ao governo, à economia, à censura eram proibidas.
E é por esse motivo que os “então jovens” dos anos 60 e 70 (atuais sessentões ou quase, entre os quais me incluo), que testemunharam a submissão de políticos que apoiavam o regime militar, seja por conveniência ou por conivência, e as bestialidades daqueles governos que foram cometidas contra a sociedade, têm o dever de combater qualquer tentativa de se ressuscitar aquele regime cretino e suas crias.
Ademar Pereira dos Reis Filho
Doutor pelo IGCE/Unesp de Rio Claro e docente da Fatec Rio Preto.