O peso que não se mede
Talvez, só talvez, essa seja a mais profunda força que um ser humano pode carregar

Conta uma antiga lenda Sufi – filosofia mística islâmica –, dessas que nascem no deserto, entre dunas e silêncios, que havia um homem conhecido por sua força extraordinária; dizia que este homem podia levantar troncos de palmeiras com os ombros, empurrar carroças atoladas com um só braço; certa vez, diante de uma multidão assombrada, ergueu uma pedra que pesava quase uma tonelada, esse feito surpreendente fez várias pessoas ali presentes o aplaudirem de pé, e seu nome ecoou pelas aldeias como sinônimo de invencível.
O tempo passou e como sempre passa — às vezes silencioso como areia ao vento, às vezes cruel como sol do meio-dia, e sua força física permaneceu por muitos anos, até que o inevitável da vida se impôs, sua esposa, companheira de uma vida inteira, adoeceu com uma doença estranha que ninguém conseguiu resolver e infelizmente ela partiu.
No dia do funeral, o céu estava encoberto, como se até o firmamento partilhasse o luto, e o caixão, simples e escuro, repousava no centro do pátio, rodeado por flores caladas e por olhares comedidos e sussurros respeitosos. O homem como ultima homenagem à esposa caminhou até o caixão com passos lentos, como quem desafia o destino, e tentou cumprir o gesto final: carregar, com as próprias mãos, o caixão daquela que tanto amara, não para demonstrar força, pujança ou orgulho, mas para mostrar reverência sagrada à esposa que sempre foi dedicada a ele; então, abaixou-se, respirou fundo, e tentou levantá-lo, mas ao tocar a madeira escura, seus joelhos cederam.
Um velho sábio, que o observava de longe, se aproximou com passos lentos, como quem não tem pressa para ensinar, tocou-lhe o ombro com delicadeza e disse:
— A pedra que você ergueu não significava nada para o seu coração; mas o que pesa hoje... Não é o caixão, é o amor que está sendo enterrado com ele.
E naquele instante, todos compreenderam que há pesos que o corpo suporta, mas a alma não, porque o que realmente pesa não é o que se vê, mas o que se sente; não é o objeto, é a ausência; não é a madeira, é a história que ela sela; não é o fim, é a eternidade do que se perde.
Desde então, muitos se lembram desse homem não como o mais forte de sua geração, mas como aquele que descobriu — tarde demais — que o amor pesa mais que qualquer pedra do mundo, e talvez, só talvez, essa seja a mais profunda força que um ser humano pode carregar — o luto do que amou verdadeiramente.
Dizem que, depois do funeral, ele se levantou em silêncio, olhou uma última vez para o chão recém-aberto, e saiu caminhando sem dizer palavra alguma e nunca mais foi visto. Alguns dizem que se perdeu no deserto, outros, que caminha no deserto a procura de sua amada, mas a verdade, a única que sobreviveu é que ele desapareceu como sobe a areia fina levada pelo vento — sem ruído, sem rastro, sem volta.
Há dores que não se enterram... Apenas se carregam, e o amor, quando se perde, pesa mais do que qualquer pedra do mundo.
Gilson Ribeiro
Contador, cronista, poeta e membro da Academia Maçônica de Letras e Cultura do Noroeste Paulista