O parto de dona Dita
Nos meus tempos de roça, era normal as crianças nascerem em casa, com o auxílio de parteiras

Penso que sou um dos mais longevos a escrever neste espaço. Tudo começou em 2007, quando eu estava como diretor da Casa de Cultura Dinorath do Valle. À época, a hemeroteca ainda estava sob a guarda da Casa — hoje, ela está junto ao Arquivo Público.
Pois bem, nessa época, o então editor-chefe do Diário da Região, Milton Rodrigues, fazia pesquisa para um livro sobre esportes que ele escrevia.
Convidou-me a escrever crônicas para o jornal. Eu disse a ele que não tinha jeito pra coisa — o que eu sabia era pintar. E olhe lá, brinquei. Muito a contragosto, aceitei. E, de lá até os dias de hoje, procuro falar daquilo que me vai na alma, ou seja: o viver caboclo, do qual muito me orgulho.
Nem sempre foi assim. O professor Guilhermo Della Cruz Coronado, em 1985, escreveu para o jornal A Notícia um estudo sobre minha obra. Durante quatro domingos, de página inteira, saía a publicação. Eu havia acabado de chegar da roça para viver na cidade. A manchete era: “Um Caipira em Busca do Seu Universo”. O estudo foi maravilhoso — o que me incomodava era o “caipira”. Digo sempre que fiz de tudo para sair da roça. Hoje, é a roça que teima em não sair de mim.
Li aqui no Diário da Região, do último dia 18, matéria assinada pela jornalista Luna Kfouri, dando conta de que Natália Tyioda Tominaga, de 27 anos, teve a filha, Maitê, em sua residência. Ela estava sozinha. O marido havia saído para comprar pão. Na volta, encontrou a criança no colo da mãe — e a placenta, segundo a jornalista, junto à perna da parturiente.
Hoje, essa cena é tão rara que vira manchete de jornal. Nos meus tempos de roça, era normal as crianças nascerem em casa, com o auxílio de parteiras — e, muitas vezes, sem o auxílio delas.
As mulheres eram força de trabalho no eito. Mesmo grávidas, iam pra roça ajudar na lida.
Certa feita, enquanto estávamos sentados no carreador, almoçando, ouvimos o choro de uma criança em meio ao cafezal. Logo pensamos se tratar de dona Dita. Ela estava grávida e o marido a forçava a ir pra roça. Fomos ver do que se tratava. Encontramos dona Dita deitada embaixo de um pé de café, e o filho sobre sua barriga.
Enquanto minha mãe fazia os procedimentos, fui providenciar a charrete para levar dona Dita e a criança pra casa.
Menos de quinze dias depois, lá estava dona Dita a caminho da roça, levando num braço o recém-nascido e, no outro, o almoço pro marido.
Jocelino Soares
Artista plástico, pós-graduado em Arte-Educação e membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura