Diário da Região
ARTIGO

O mito e o agora: ressignificações contemporâneas

Os mitos se deslocam — não para perder sentido, mas para ganhar novos sentidos

por Jorge Vermelho
Publicado em 14/07/2025 às 22:33Atualizado há 17 horas
Jorge Vermelho (Jorge Vermelho)
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Os mitos clássicos atravessam os séculos como espelhos antigos, capazes de ainda refletir quem somos — mesmo que, à primeira vista, pareçam retratar tempos distantes. Mais do que narrativas de um passado remoto, os mitos são mapas simbólicos da experiência humana. Eles falam do poder, do desejo, do exílio, da culpa, da travessia, da queda e da reconstrução. Quando revisitamos essas histórias com os olhos do presente, abrimos espaço para compreendê-las não como verdades absolutas, mas como lentes pelas quais a realidade pode ser lida, relida e reinventada.

Na contemporaneidade, a ressignificação dos mitos tem se revelado não apenas possível, mas necessária. Antígona reaparece como símbolo da resistência às estruturas autoritárias. Édipo não é mais somente o trágico que ignora a própria origem, mas também o sujeito que, ao se confrontar com sua história, busca se libertar dos ciclos que o aprisionam. Medusa, antes monstruosa, é revista como figura de dor e vingança, vítima e não só vilã. Os mitos se deslocam — não para perder sentido, mas para ganhar novos sentidos.

Essa releitura se dá de forma sutil, muitas vezes imperceptível num primeiro olhar. Está nos filmes que revisitam arquétipos antigos com roupas novas. Está nos palcos, na dança, nas canções que ecoam as jornadas de heróis e heroínas, agora plurais e mais próximos de nós. Está nas narrativas cotidianas, quando nomeamos certas vivências com a carga simbólica de mitos que nem sabemos que conhecemos. Quem nunca se sentiu um Prometeu acorrentado por suas escolhas? Ou uma Penélope, à espera do que (ou de quem) nunca chega?

Na arte, os mitos funcionam como dispositivos de escuta do presente. Eles se atualizam ao serem inseridos em novos contextos culturais, sociais e políticos. Não como peças de museu, mas como organismos vivos. E, nesse processo, somos nós que também nos atualizamos. O mito antigo se presentifica ao nos oferecer uma narrativa que atravessa a dor e o desejo do humano — e nos convida a refletir sobre quem somos, quem fomos e quem ainda podemos ser.

Jorge Vermelho

Artista e produtor cultural