Não damos aula
São ações das quais poucos parecem, propositalmente ou não, querer entender

Não, não damos somente aula e o que fazemos é muito!
Vendemos nossa força de trabalho à sociedade por criarmos, aplicarmos e corrigirmos atividades, projetos educativos e culturais, que visam o esclarecimento, aprofundamento e formação de sujeitos. Também coordenamos salas com mais de 30 estudantes, buscando a melhor efetivação e aplicação de aulas planejadas, que possuem objetivos, introdução, desenvolvimento e conclusão, sempre as relacionando com a vida e com a realidade desses grupos.
E para que tudo isso ocorra bem, utilizamos da ciência, da pesquisa, do estudo e da análise, o que transforma todo esse processo em algo rico, complexo e muito subjetivo. Ações das quais poucos parecem, propositalmente ou não, querer entender.
E nesse trabalho, profissão e carreira, nós, professoras e professores – e é importante colocar que se está diante de uma ocupação assumida por uma parte grande de mulheres, o que diz muito sobre a desvalorização e sobrecarga da área – tem-se somado as propriedades tecnológicas adoecidas dessa contemporaneidade desvairada.
Não é mais central nos afazeres de um educador o compromisso com a intelectualidade, com o conhecimento e com o próprio educando, mas tem dominado o preenchimento de documentações, planilhas e metas, em uma burocracia desarticulada do que deveria ser o propósito: a libertação do indivíduo por meio da constituição do conhecimento de seu próprio mundo interno e externo pela ciência e experimentação.
E nisso se passa mais tempo provando o trabalho que deveria ser trabalhado, do que o ministrando, visto que “só damos aula”, diz o jargão cultivado e incentivado culturalmente de forma a corroborar com o menosprezo e com o enfraquecimento desse profissional, estabelecendo-o em uma espécie de subemprego – somos linguagem, que afirmada repetidamente e continuadamente, far-se-á o que seremos.
Mas a escola é também local de encontro importante para o capitalismo, é lá que crianças e jovens são depositados enquanto os pais retroalimentam o próprio sistema. Assim, fomos formados para a liberdade, mas nos querem aprisionados à malha neoliberal. E seguimos cansadas de resistir.
Ingrid Zanata Riguetto
Pesquisadora, professora, psicanalista, historiadora, escritora e mãe. Coordenadora de ações e parte da equipe gestora na Casa de Encontro e Cultura Antonieta de Barros. Dra. em Teoria e Estudos Literários (UNESP). Participante dos coletivos feministas Mulheres na Política e Lugar de Mulher é onde ela quiser