Mea culpa
A imagem de poderoso, valorizada nesses tempos de narrativas absolutas e verdades relativas, não permite a humildade de olhar para si com autocrítica

A expressão em latim “mea culpa” (minha culpa) provém de uma oração de confissão católica, o “Confiteor”, na qual pronunciava “mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa”. Para além do sentido religioso, ela remete à capacidade de reconhecer os próprios erros, de aceitar as falhas, de analisar o próprio íntimo e conseguir ver o que está errado. Fazer mea culpa é um ato de coragem e humildade. É um exercício de autoconhecimento que exige maturidade e, acima de tudo, sabedoria. Quando alguém se dispõe a assumir sua responsabilidade (e eventuais erros), não está apenas se desculpando, mas também se permitindo crescer. É como se, ao olhar para dentro, a pessoa iluminasse os cantos escuros de sua alma, revelando não só suas falhas mas também suas potencialidades. É nesse espaço de vulnerabilidade que reside a verdadeira força do ser humano: a capacidade de evoluir através do reconhecimento de seus próprios erros.
Nem todos se propõem a tal. Aqueles que se negam acabam por se tornar prisioneiros de suas próprias convicções. Tiranos, ditadores e indivíduos com ego exacerbado, em geral, costumam ver o ato de admitir falhas como um sinal de fraqueza. Para eles, o poder é um escudo que protege de críticas ou reflexão. A incapacidade de reconhecer os próprios erros pode transformar pessoas em caricaturas de si mesmas, distantes da realidade. Quando se tornam autoritários, indivíduos que ocupam altos níveis de poder se alimentam do medo e da obediência cega. Frequentemente carecem de empatia. A arrogância impede de enxergar o outro como um igual, a falta de mea culpa os torna incapazes de aprender com seus erros. Por isso, a história está repleta de figuras que, ao invés de construir, destruíram. Nunca conseguiam olhar para o próprio reflexo.
O ser humano, por natureza, é imperfeito e, ao ignorar essa condição, eles se afastam do que realmente significa ser humano. Ao invés de fazer mea culpa, insistem no confronto. Isso não deve ser confundido com força. É, na verdade, uma forma de fraqueza. A verdadeira força reside no ato de se expor e, principalmente, de se redimir. O reconhecimento dos próprios limites é um passo essencial no caminho da evolução. A mea culpa é um ato de transformação, quase revolucionário. A transparência gera confiança. Quando um líder faz mea culpa, ele não apenas se humaniza, mas também inspira aqueles ao seu redor a fazer o mesmo, criando um ciclo virtuoso de crescimento.
No entanto, a resistência à mea culpa pode ser forte. A imagem de poderoso, valorizada nesses tempos de narrativas absolutas e verdades relativas, não permite a humildade de olhar para si com autocrítica. Então, opta-se por esticar a corda, num cabo-de-guerra cego no qual não se sabe o fim. Uma guerra individual com consequências para todos. Sim, é esperar demais que os donos das canetas façam um exercício de humildade. Mas não é difícil constatar que, dentre tantas boas coisas que faltam ao mundo atual, a mea culpa certamente é uma delas.
SÉRGIO CLEMENTINO
Promotor de Justiça em Rio Preto. Escreve quinzenalmente neste espaço às terças-feiras