Diário da Região
ARTIGO

Mãezinha, vírgula!

Não se trata apenas de uma escolha de palavras, e sim de uma postura que as infantiliza

por Jéssica Christan Silva e Soares
Publicado em 20/06/2025 às 20:14Atualizado em 21/06/2025 às 06:50
Jéssica Christan Silva e Soares (Divulgação)
Jéssica Christan Silva e Soares (Divulgação)
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algo de revelador no hábito cultural de tratar mulheres no diminutivo. Mãezinha, queridinha, menininha. Termos aparentemente afetivos, mas que servem como instrumentos sutis de deslegitimação. Em especial quando essas mulheres estão em situações de vulnerabilidade ou ousam impor sua vontade em espaços onde se espera submissão ou docilidade. É como se o diminutivo viesse para nos lembrar: você é pequena, você não manda, você deve obedecer.

As mães que estão acompanhando os filhos em hospitais sabem bem disso. Em vez de serem reconhecidas como protagonistas no cuidado dos filhos, o que são, de fato, são frequentemente chamadas de "mãezinhas", de uma forma aparentemente carinhosa.

Mas não se trata apenas de uma escolha de palavras e sim de uma postura institucional que as infantiliza e desautoriza. Quando uma mulher questiona uma conduta médica ou exige respeito no tratamento de seu filho, ela muitas vezes se vê silenciada, ignorada ou até ameaçada com termos como "estamos fazendo o melhor" ou "você está atrapalhando, mãezinha". E é justamente essa mãezinha, essa figura amorfa que deve ser dócil, grata e calada que não tem sua opinião levada em consideração nesses espaços.

Bell hooks já nos dizia que o amor, em sua forma mais política, exige justiça. E não há justiça possível em uma cultura que insiste em tratar as mulheres como eternas menores de idade. Maya Angelou, com sua força poética e sua biografia marcada por enfrentamentos, nos lembrou de que “as pessoas esquecerão o que você disse, esquecerão o que você fez, mas nunca esquecerão como você as fez sentir”. E o que sentimos, todas nós, quando somos diminuídas em nossa dor e força, é um profundo esvaziamento da própria identidade.

Silvia Federici, em O ponto zero da revolução, nos mostra como o trabalho das mulheres — especialmente o trabalho do cuidado é sistematicamente invisibilizado e desvalorizado. Não é coincidência que o termo "mãezinha" surja no cenário hospitalar, um lugar onde o cuidado está institucionalizado, mas a mulher segue sendo vista como acompanhante, e não como agente. Sua experiência, seu instinto, seu saber materno — tudo isso é colocado em segundo plano diante do discurso médico, masculino, técnico.

Tratar uma mulher no diminutivo quando ela está se impondo, resistindo ou protegendo quem ama, não é uma simples escolha linguística: é um ato político. É uma tentativa de contenção. É a voz do patriarcado tentando sussurrar mais alto do que o grito das mulheres.

Portanto, não nos chamem de mãezinhas. Somos mães. Somos mulheres. Somos inteiras. E temos nome, voz e autoridade sobre nossos corpos, nossos filhos e nossas decisões. O respeito começa por reconhecer isso — e por aprender a escutar com atenção o que tantas tentam dizer mesmo quando são diminuídas ou silenciadas. Então, mais uma vez, mãezinha, vírgula!

Jéssica Christan Silva e Soares

Mãe, advogada, membra do coletivo Mulheres na Política