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Macbeth, COP30 e Master: ambição sem limites

A história de Macbeth ensina que o poder, quando não equilibrado por boa governança tende à corrupção

por Ligia Maura Costa
Publicado há 8 horas
Ligia Maura Costa (Ligia Maura Costa)
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Entre as muitas tragédias escritas por William Shakespeare, Macbeth talvez seja a mais profunda análise sobre a corrupção humana. Nessa tragédia, Macbeth é tomado por uma ambição que o faz confundir destino com direito. Seduzido pela promessa de poder, rompe limites morais e institucionais e termina devorado pela própria sede de grandeza.

A princípio, Macbeth é um homem leal, reconhecido por sua coragem e serviço ao rei. Mas basta o sussurro de uma profecia para que a ambição o devore. A possibilidade de reinar o faz acreditar que o fim justifica os meios. A partir daí, Shakespeare descreve a anatomia da corrupção: primeiro a tentação, depois a racionalização e, por fim, a perda completa da consciência ética. Quatro séculos depois, esse mesmo enredo parece ecoar no cenário brasileiro.

A ambição do governo em projetar o país como protagonista climático é legítima. O Brasil tem, afinal, uma posição singular: reúne a maior floresta tropical do planeta, matriz energética relativamente limpa e tradição diplomática em negociações ambientais. O risco estava em deixar que essa ambição ultrapassasse o limite da prudência e da transparência, transformando o palco da esperança em mais um ato de encenação política.

Assim terminou a COP30, deixando mais fumaça do que legado, literal e simbolicamente, com o incêndio no Pavilhão Azul, que expôs falhas estruturais e organizacionais num evento que buscava projetar liderança mundial em matéria ambiental. A história de Macbeth ensina que o poder, quando não equilibrado por boa governança e responsabilidade, tende à corrupção, não apenas a financeira, mas a moral.

Em Macbeth, como na vida real, a corrupção raramente é solitária: nasce e se sustenta em redes de poder, lealdade e cumplicidade. No mesmo período da COP30, o Banco Central decretou a liquidação do Banco Master após constatar fraudes sistemáticas, manipulações contábeis, operações irregulares e desvio de recursos. O banqueiro acabou preso, mas já está solto.

O impacto mais grave é o rombo no FGC, Fundo Garantidor de Créditos, que sustenta a confiança e a solidez do sistema bancário brasileiro. Uma ambição financeira sem controles gerou um desequilíbrio que agora será pago por todo o ecossistema. Sempre que a ética é sacrificada em nome da ambição, o resultado é o mesmo: a vitória momentânea do poder e a derrota duradoura da sociedade.

Assim como em Macbeth, a história recente mostra como pequenas concessões éticas criam o plano inclinado da corrupção. A tragédia nunca começa com um grande ato, mas com a normalização do desvio. O Brasil tem diante de si a lição shakespeareana: quando a ambição se separa da integridade, nem o poder nem a reputação sobrevivem.

Ligia Maura Costa

Advogada. Professora Titular na FGV-EAESP. Escritora do livro Lava Jato: Histórias dos Bastidores da Maior Investigação Anticorrupção do Brasil.