Letramento racial
É preciso enfrentar o racismo como problema estrutural e não só como episódio histórico

Todos sabemos que os mecanismos de operação do racismo são múltiplos e, por essa razão, as formas de enfrentamento também devem ser. Nesta perspectiva, o chamado “letramento racial” tem como objetivo ser uma ferramenta pedagógica de grande importância para o combate ao racismo. De forma breve, o letramento racial consiste num processo educativo que promove a construção da capacidade de identificar e reconhecer práticas racistas no âmbito da vida cotidiana de uma pessoa. Trata-se de uma expressão que foi primeiramente utilizada pela socióloga afro-americana France Winddance Twine. O letramento racial resulta numa prática de natureza política e pedagógica, cuja finalidade é desconstruir as formas de pensar e agir que, ao longo do tempo, foram naturalizadas por um sistema de opressão racial estruturado, que denominamos de racismo.
Conforme o pensamento da filósofa norte-americana Angela Davis, "não basta não ser racista, é necessário ser antirracista", o que vem a ser uma espécie de primeiros passos do letramento racial. A isso, podemos acrescentar os seguintes pontos, entre outros: não dizer que só existe a raça humana, para minimizar as discussões sobre raça e racismo, que, neste contexto, tem a ver com as experiências sociais compartilhadas por pessoas que possuem características físicas comuns; difundir a necessidade da educação antirracista entre os amigos, colegas de trabalho, familiares, a fim de que se eduquem e que as escolas coloquem em pauta a questão racial no Brasil nos seus currículos, desde o ensino infantil. No ambiente corporativo, deve-se dedicar um tempo exclusivo para treinamentos voltados à educação racial (letramento) aos profissionais.
O letramento racial deve ser uma abordagem de autorreflexão permanente, voltada à percepção dos impactos do racismo em nosso cotidiano, ao nos colocarmos como parte do problema e de sua solução. Conhecendo a história dos povos negros no Brasil, compreenderemos que a situação atual é o resultado de séculos de políticas discriminatórias. Daí a necessidade do enfrentamento do racismo como um problema estrutural e não apenas como um episódio histórico. A escravidão acabou há mais de 135 anos, mas o racismo, não; continua sendo uma questão atual, e reconhecer isso é o primeiro passo para sua desconstrução.
Chegamos, então, à conclusão que o combate ao racismo exige, por parte de todos, posicionamentos firmes, tais como: questionar a forma como nossa sociedade está estruturada, e como são ocupados os lugares de poder; refletir sobre o papel das ações afirmativas, como as cotas raciais no serviço público e nas universidades; e reconhecer os efeitos provocados pelo fato de nossa história ser ensinada quase sempre a partir de uma perspectiva eurocêntrica. Assim, não devemos esquecer jamais da frase inspiradora de Nelson Mandela: “Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele ou por sua origem, ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender.” Daí que, pelo letramento racial e a educação, também podemos desconstruir o racismo, o ódio e a intolerância.
João Francisco Neto
Advogado, doutor em Direito Econômico e Financeiro (USP). Monte Aprazível-SP.