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ARTIGO

Jabuti arrecadatório

MP do IOF altera regras de compensação e amplia insegurança jurídica

por Ramiz Sabbag Junior
Publicado em 10/09/2025 às 21:39Atualizado em 11/09/2025 às 11:08
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A Medida Provisória nº 1.303/2025, editada para alterar a tributação pelo IOF em operações de crédito, incluiu dispositivo estranho ao tema principal, em um exemplo clássico de “jabuti legislativo”. Trata-se de mudanças significativas nas regras de compensação tributária, com nítido viés arrecadatório e impacto direto inclusive sobre contribuintes de boa-fé.

Pela nova redação do art. 74 da Lei nº 9.430/96, passam a ser consideradas “não declaradas” as compensações com créditos oriundos de documentos de arrecadação inexistentes ou com créditos de PIS e COFINS que, segundo a Receita, não estejam relacionados à atividade econômica do contribuinte.

A mudança restringe a compensação apenas a pagamentos feitos via DARF ou GPS, ignorando outras formas legais de extinção do crédito tributário. Além disso, ao exigir “relação com a atividade”, sem definir tal conceito, a norma cria insegurança jurídica e extrapola os critérios de essencialidade e relevância definidos pelo STJ no Tema 779.

Ademais, a nova regra parece mirar o aproveitamento de créditos baseados em interpretações ampliativas de benefícios fiscais setoriais, como os da Lei do Reporto, ou no aproveitamento de decisões judiciais legítimas, mas concedidas a entidades representativas de setores aos quais não pertencem a empresa que se associada para fazer jus aos termos da decisão.

A classificação da compensação como “não declarada” impede a contestação por manifestação de inconformidade e impede o acesso ao CARF, além de permitir a inscrição imediata do débito em dívida ativa, com multas de até 225%.

Segundo o governo, a mudança visa combater fraudes. Mas sua redação amplia o alcance da norma para além dos casos abusivos, atingindo situações legítimas e penalizando divergências interpretativas. O resultado é o afastamento do contribuinte do diálogo técnico com o fisco e o incentivo à judicialização.

Ao impedir a ampla defesa e comprometer a proporcionalidade, a MP fragiliza a relação fisco-contribuinte e mina o esforço por um sistema mais simples e cooperativo. Cabe ao Congresso corrigir a distorção e preservar o direito de defesa em matéria tão complexa quanto a compensação tributária.

Ramiz Sabbag Junior

Advogado tributarista