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Hipogamia feminina: a felicidade em se casar com um sapo

No Japão, elas estão adiando o casamento, e na China, são chamadas de 'mulheres restantes'

por Fernando Fukassawa
Publicado há 23 horasAtualizado há 20 horas
Fernando Fukassawa (DIARIO)
Fernando Fukassawa (DIARIO)
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Era uma vez... uma princesa que beijou um sapo, e ele virou um príncipe. Final feliz e foram morar no suntuoso castelo, sem trabalho a fazer e comida à vontade. Já no conto menos conhecido, foi o príncipe quem beijou a sapa... e ele virou um sapo feioso. Casaram-se, foram morar no pântano, dividiam insetos e larvas do dia e, com sorte, escapavam dos jacarés. Quer dizer... a felicidade pode até morar no amor, mas o CEP pode fazer a diferença.

Durante séculos, a regra sempre foi clara: mulher casa "pra cima", homem "pra baixo". É a hipergamia feminina, em que mulheres buscam como parceiro homem com status mais elevado (“hiper”=mais , “gamia”=casamento). Uma tradição milenar baseada na ideia de que o homem deve ser mais rico, mais velho, mais escolarizado e, de preferência, emocionalmente menos disponível. Já a mulher? Do lar, submissa e grata. Afinal, ele estava "oferecendo estabilidade", não afeto.

O casamento cultural e socialmente aceito sempre foi, grosso modo, entre o príncipe e a plebeia. No conto da Cinderela, a jovem órfã bastante humilde se casa com o Príncipe Encantado, e depois viraram rei e rainha. Na vida real, no Reino Unido o príncipe William desposou Kate Middleton, que de plebeia e ex-funcionária da loja da mãe, se tornou princesa, e virou documentário da Netflix. Bem antes, na monarquia japonesa, o então príncipe Akihito escolheu a plebeia Michiko, e o atual imperador Naruhito também se casou com uma não nobre, Masako Owada, que virou imperatriz.

O contrário, de casamento entre princesa e plebeu, não era bem visto, como aconteceu com a princesa Mako que se apaixonou por um plebeu. Naquele oriente, mulheres não assumem o trono, e ela precisou abdicar do título imperial ao se casar com um plebeu.

Na contramão, surge a hipogamia feminina (“hipo” = menos), aquela relação em que a mulher é mais estudada, mais bem-sucedida e, frequentemente, mais cansada. Cansada de esperar por homens “à altura”, já que muitos estão emocionalmente em fase pré-escolar e financeiramente em licença constante.

Estatísticas recentes informam que mulheres com menos de 30 anos já ganham mais que os homens nas cidades grandes. Elas estudam mais, trabalham mais e... casam “pra baixo”. Eles ganham menos, estudam menos e, com frequência, compensam essa defasagem com alguma teoria conspiratória.

E as consequências não são apenas financeiras. As mulheres seguem cuidando da casa, da criança, da sogra e ainda lembrando o dia da terapia do parceiro. Enquanto isso, eles enfrentam a dura realidade de escolher entre o futebol no grupo do zap ou mais uma live sobre “por que o feminismo destruiu os relacionamentos”. Há quem diga que estamos criando a geração mais ansiosa, obesa, solitária e inábil do ponto de vista emocional. E há dados: homens são mais propensos à dependência, à prisão e ao isolamento. Enquanto elas canalizam a ausência de um parceiro em carreira, amizade e autocuidado, muitos deles canalizam em... pornografia e podcasts com teor de autoajuda tóxica.

No Japão, elas estão adiando o casamento, e na China, são chamadas de “mulheres restantes”. Na Escandinávia, mesmo com parcerias mais igualitárias, os homens ainda ganham três quartos da renda familiar, a mostrar que mesmo quando a mulher avança, a cultura tropeça.

E o que fazem as mulheres? Recalculam. Preferem ficar sozinhas a carregar um projeto de marido que nem chega à fase beta. Algumas mais otimistas entram na hipogamia com coragem... e uma planilha. Hoje, mais do que nunca, o amor exige negociação, logística e...  tolerância a homens emocionalmente uns vinte anos atrás. No fim das contas, a hipogamia virou a nova hipergamia: só que agora, quem sustenta, consola, planeja e cozinha é ela. E ele? Está “se encontrando”.

Talvez o verdadeiro príncipe encantado de hoje seja só um cara que lava mal a própria cueca, paga resmungando a metade do aluguel e sente sobrecarga mental porque recebe ordem da mulher para fazer uma comprinha no mercado. Já seria um bom começo.