Feminicídio e o silêncio dos homens
Romper esse silêncio exige coragem, empatia e compromisso com a vida

O feminicídio segue sendo uma das maiores tragédias sociais do Brasil. Em um país onde mulheres são assassinadas pelo simples fato de serem mulheres, falar sobre esse tema não é escolha: é dever. E esse dever não pode continuar restrito às próprias mulheres. A violência de gênero ainda é enfrentada quase exclusivamente por elas, enquanto grande parte dos homens permanece em silêncio, um silêncio que, embora não puxe o gatilho, legitima a cultura que sustenta essas mortes.
O feminicídio é o ponto final de uma trajetória de violências que começam muito antes: controle, ciúmes, chantagem emocional, humilhação, agressões verbais e físicas. Quando se fala em prevenção, fala-se quase sempre em ensinar a mulher a “denunciar”, “se proteger” ou “buscar ajuda”. Mas pouco se fala em responsabilizar os homens pela mudança necessária em sua própria cultura.
Existe um silêncio masculino que não pode mais ser ignorado. Ele aparece quando um amigo faz uma piada machista e ninguém corrige ou quando revela comportamentos de controle e todos normalizam; quando, diante de um caso de violência, muitos dizem “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.
Esse silêncio, ainda que não mate diretamente, cria o ambiente onde o feminicídio se torna possível. Homens que não violentam, mas riem, minimizam, relativizam ou se calam, acabam por sustentar uma estrutura que protege o agressor e isola a vítima.
Falar em feminicídio é também falar de responsabilidade coletiva. A violência contra a mulher não é um “problema de mulheres”. É uma questão que afeta toda a sociedade. Sem a participação ativa dos homens, denunciando, contestando comportamentos abusivos, repensando suas condutas, educando seus filhos, qualquer política pública se torna insuficiente.
Romper esse silêncio exige coragem, empatia e compromisso com a vida. Significa assumir que a mudança não virá apenas da lei ou do sistema de justiça, mas das atitudes cotidianas.
Enquanto os homens permanecerem calados, o feminicídio continuará sendo uma estatística anunciada. E a pergunta que fica é: até quando?
Maria de Fátima Esteves Santos Monteiro
Advogada atuante em Direito de Família e Sucessões. Pós-graduada em Direito Público e em Direito da Seguridade Social. Vice-Coordenadora da Comissão de Direito da Criança e do Adolescente da OAB/SJRP.