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Escola não é lugar de gerar doença

Vamos colocar "comida de verdade" no centro da mesa e da política pública

por Guilherme Anchieta
Publicado há 3 horasAtualizado há 2 horas
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O que estamos servindo para o futuro de São José do Rio Preto? É preciso entender o que está no prato de nossas crianças. Alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas de substâncias extraídas de alimentos (óleos, gorduras e açúcar) e aditivos (corantes, aromatizantes, emulsificantes).

São engenharia química comestível. A presença massiva desses produtos nas cantinas escolares representa um atentado à saúde pública.

Uma recente série de artigos da prestigiada revista científica The Lancet comprovou: a substituição da dieta tradicional por ultraprocessados é o motor da pandemia global de obesidade e doenças crônicas. Como médico que lida com as consequências de maus hábitos de vida, vejo com preocupação permitirmos que doenças de adultos se instalem na infância, dentro de um ambiente que deveria ser protegido: a escola.

O consumo desses produtos cria uma "tempestade perfeita" no corpo das crianças. Dietas ricas em ultraprocessados consomem 500 quilocalorias a mais por dia em comparação com dietas baseadas em alimentos in natura.

O resultado: ganho de peso, resistência à insulina e inflamação sistêmica. Meta-análises envolvendo milhares de participantes associam o consumo desses produtos a um aumento de 23% no risco de Diabetes, além de elevar a incidência de hipertensão, doenças cardiovasculares e até depressão. Permitir que uma criança consuma um pacote de salgadinho ou um refrigerante no recreio, aumenta seu risco de morte precoce.

Além disso, há o perigo da dependência. A indústria utiliza a "hiperpalatabilidade", combinando açúcar, gordura e sódio para "sequestrar" o sistema de recompensa do cérebro infantil. É uma engenharia feita para anular a saciedade, gerando um comportamento compulsivo comparável à lógica do tabaco.

A boa notícia é que já existem exemplos de coragem política que provam ser possível mudar essa realidade. As cidades do Rio de Janeiro e Niterói já sancionaram leis que proíbem a oferta de ultraprocessados nas escolas, tanto na rede pública quanto na privada.

O Projeto de Lei 4501, em tramitação no Senado Federal, reconhece que a escola — seja ela particular ou pública — é um espaço de formação, e não de exploração comercial da saúde infantil. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) já restringe drasticamente esses itens na compra pública. A pergunta que fica é: por que Rio Preto ainda permite o inaceitável?

Dirijo-me aos nossos líderes — prefeito, secretários de Saúde e Educação e vereadores. A presença de ultraprocessados nas escolas não é uma questão de "liberdade de escolha", pois crianças são vulneráveis ao marketing e à engenharia de sabor desses produtos. É uma questão de proteção sanitária.

Rio Preto tem a oportunidade de se posicionar na vanguarda. A obesidade infantil não é culpa exclusiva da criança ou da família; é falha do ambiente que o poder público ajuda a regular. Banir os ultraprocessados das escolas é um ato de liderança política.

Vamos colocar "comida de verdade" no centro da mesa e da política pública. Nossas crianças merecem um futuro mais leve e saudável.

Guilherme Anchieta

Médico cardiologista com foco em prevenção cardiovascular. Professor colaborador Famerp - Hospital de Base