Diário da Região
Artigo

É possível adiar o fim do mundo?

A crise ambiental e social que enfrentamos é, antes de tudo, uma crise de ideias

por Simone Cristina Succi
Publicado em 31/08/2025 às 00:29
Simone Cristina Succi (Divulgação)
Simone Cristina Succi (Divulgação)
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Todos nós, em algum momento da vida, tivemos medo do fim do mundo. Esse medo antigo, que acompanha a humanidade, muitas vezes é reforçado pelas diversas culturas, pelas religiões e por determinados períodos históricos.

Nas narrativas religiosas e mitológicas, há os clássicos Juízo Final e o Grande Dilúvio, cujas histórias anunciam esses acontecimentos como um aviso sobre as consequências de levarmos uma vida errante e “pecaminosa”.

O último desses “avisos” apocalípticos, eu bem lembro, foi na transição para o ano 2000, o Bug do Milênio. Nessa época, muita gente ficou apavorada com os apagões em massa, com a falta de comida, com o colapso de infraestrutura nos hospitais, no tráfego aéreo, nas ruas. No entanto, graças à força-tarefa de programadores e engenheiros, o temido bug não aconteceu e pudemos sair salvos de uma possível catástrofe coletiva.

Mas, será? Será mesmo que estamos salvos de uma catástrofe?

O bug, que agora não é o do milênio, se manifesta todos os dias e nos convida a refletir sobre o que estamos fazendo do planeta em que vivemos.

Preocupado com essa questão, Ailton Krenak escreveu um livro-manifesto, Ideias para adiar o fim do mundo (2019), colocando o leitor cara a cara com uma tese perturbadora: o fim do mundo não é uma previsão futura e, sim, um processo que já está acontecendo. Krenak, que é um importante líder indígena, ativista e pensador brasileiro, diz que a crise ambiental e social que enfrentamos é, antes de tudo, uma crise de ideias.

Seu texto mostra o quanto grande parte da humanidade vive descolada do planeta e separada da natureza, comportando-se como um explorador dos recursos que ela oferece, numa atitude predatória. Esse comportamento, então, é a raiz do problema humanitário e global, pois nos leva a viver de forma insustentável, explorando e destruindo os recursos naturais e os ecossistemas.

Nesse cenário, tão crítico e tão real, a sabedoria ancestral dos povos originários emerge, pois para eles a natureza não é um objeto e, sim, um ser vivo, sagrado que precisa ser cuidado e defendido para, talvez, "adiarmos o fim do mundo".

As ideias de Krenak são simples e profundas ao mesmo tempo, pois nos convoca a refletir sobre nossos modos de estar no mundo e de se relacionar para, assim, questionarmos o que estamos fazendo para melhorar a vida na Terra.

O desafio está lançado: devemos cuidar uns dos outros e isso implica o cuidado com todas as formas de vida, de maneira coletiva, nos aproximando da natureza. Afinal, a natureza somos nós.

Simone Cristina Succi

Doutora em Linguística Aplicada, professora e redatora de materiais didáticos