Duas Almas
Na lida do campo e nas voltas da vida, a gente aprende que nem todo encontro é para durar

O primeiro contato que tive com o poeta rio-grandense Alceu Wamosy foi por acaso, num almanaque que ganhei na antiga farmácia Portuguesa do saudoso Enzo Fochi. Eu era pouco mais que um menino - ainda morava na roça. O poema me tocou tanto que nunca mais o esqueci. Embora tenha perdido a publicação, eu o trazia comigo, na memória, e vez ou outra o visitava.
Wamosy era natural de Uruguaiana; nasceu em 14 de fevereiro de 1895 e morreu em Livramento a 13 de setembro de 1923, aos vinte e oito anos. Casou-se no leito de morte, no mesmo ano após ser ferido mortalmente na Revolução — uma vida tão intensa quanto sua poesia. Infelizmente, ele é pouco conhecido, no entanto, penso que depois de escrever o poema "Duas Almas" ele poderia ter morrido.
Na vida, a gente cruza com pessoas que parecem ter saído de um sonho antigo. Chegam devagar, quase pedindo licença pra existir. Não trazem promessas nem planos, apenas um olhar cansado e a vontade mansa de descansar um pouco. Assim imaginei o encontro descrito por Wamosy em "Duas Almas": um homem e uma mulher, ambos marcados pela solidão, abrigando-se um no outro por uma noite.
Ele, cansado da própria tristeza. Ela, de caminhar sozinha por estradas frias. A neve cai lá fora, mas dentro há um fogo aceso, um calor de ninho. Ele oferece abrigo, não como quem quer prender, mas como quem deseja dividir um pouco de calor humano. É bonito pensar que o amor, às vezes, é só isso: um gesto simples, uma xícara de café, um silêncio compartilhado enquanto o vento sopra lá fora.
Alceu, conhecido por sua linguagem refinada e versos perfeitos, nesse poema revela um coração de gente comum. Não há exagero nem drama - apenas o encontro de duas vidas que se entendem sem dizer palavras. Quando o dia amanhece, cada um segue seu caminho, levando a saudade do outro. E é nessa despedida que o poema encontra sua beleza maior: o amor que não prende, mas deixa marcas.
Na lida do campo e nas voltas da vida, a gente aprende que nem todo encontro é para durar. Alguns vêm só para ensinar a importância de um abrigo no meio do caminho. A vida é feita desses instantes breves que passam depressa, mas ficam guardados como uma luz acesa na janela.
Wamosy chamou isso de saudade. Eu chamo de milagre breve - aquele que acontece quando duas almas se reconhecem, se aquecem e depois se despedem.
E o poema termina:
“Eu já não serei tão só, nem tu iras sozinhas. Hás de ficar comigo uma saudade tua - hás de levar contigo uma saudade minha.”
Jocelino Soares
Artista plástico, pós-graduado em Arte-educação, membro da Academia Rio-pretense de Letras e Cultura.