Dos Malês, a maior
O filme “Malês” nos mostra vivências, sujeitos e condições da sociedade do período escravagista

Estreou recentemente o filme “Malês”, dirigido por Antônio Pitanga, que conta a história do levante de escravizados pela abolição da escravidão no Brasil, ocorrido em 1835, em Salvador, a chamada Revolta dos Malês.
O intelectual brasileiro Clóvis Moura escreveu, dentre outros, o livro “Rebeliões da Senzala”, lançado em 1959 e atualmente em sua sexta edição. Ao contrário do que habitualmente aprendemos, os que foram sequestrados da África e tornados escravos não viveram aqui de forma passiva, houve muitas rebeliões, tensões e inconformismo desde a chegada do primeiro grupo.
O filme “Malês” nos mostra uma variedade de vivências, sujeitos e condições da sociedade da época e do período escravagista. Os líderes da Revolta dos Malês eram afrodescendentes muçulmanos. No continente Africano de hoje, assim como em 1835, havia diversas religiões. O termo “malê” vem do iorubá - uma das muitas línguas faladas na África - e significa “muçulmano”. Os Malês eram pessoas instruídas e frequentemente mais instruídas do que seus “senhores”.
Participando da Revolta estavam afrodescendentes não mais escravizados, pessoas ainda escravizadas e havia também os chamados “escravos de ganho”, que trabalhavam em atividades diversas com possibilidades de ganho.
O filme mostra diversos e cruéis tratamentos dispensados aos escravizados. Mostrou os que eram tratados no açoite, o estupro das mulheres para a geração de mais pessoas escravizadas, até os que tiveram de seus “senhores” um certo apoio para a organização da Revolta.
No grupo havia divergências. Como no caso da Inconfidência Mineira e também de Jesus, uma suposta traição ou a denúncia sobre o levante veio de dentro do grupo. No filme, a companheira de um dos participantes, por temor pela vida dele, faz a denúncia, com a ilusão de que aqueles que queriam conter a revolta teriam algum tipo de consideração por sua ajuda. Não tiveram.
Começamos lembrando de Moura e as rebeliões da senzala. Terminamos lembrando de um outro livro dele, “As injustiças de Clio”, que discute a injustiça da historiografia brasileira nas referências à população afrodescendente, apagando ou ignorando sua participação social.
A revolta dos Malês foi a maior revolta de escravizados no Brasil, mas o filme sobre ela demorou 29 anos, desde sua ideia original até seu lançamento. As dificuldades de se contar a história dos afrodescendentes, que é a história do povo brasileiro, sintetizadas nas injustiças de Clio, infelizmente, ainda permanecem por aqui.
Monica Abrantes Galindo
É vice-diretora da UNESP de Rio Preto, professora, participante dos coletivos Mulheres na Politica e CDINN -Coletivo de Intelectuais Negras e Negros.