Descobrir-se negro é um movimento que transforma
A legitimidade da identidade negra não depende de validação externa

Falar de consciência negra no Brasil é falar sobre descobrir-se em um país onde mais da metade da população é negra. Segundo o IBGE 2022, 56% dos brasileiros se autodeclaram pretos ou pardos. Em São José do Rio Preto, os números também revelam essa presença: 14,9% da população é preta e 39,1% é parda (IBGE, Censo 2022).
Ainda assim, convivemos com estruturas que tentam reduzir, silenciar e enquadrar corpos negros. Por isso, descobrir-se negro não é um instante — é um processo permanente que exige estudo, coragem, posicionamento e, acima de tudo, o compromisso ético de não reproduzir práticas racistas. Em outras palavras: exige ser antirracista.
Eu mesma precisei atravessar esse caminho. Quando me descobri uma mulher negra, precisei romper com estéticas impostas, expectativas silenciosas e comportamentos moldados para que eu “não incomodasse”. Romper com esses padrões não foi confortável, mas foi libertador. Esse movimento abriu uma expansão da consciência que hoje me permite transbordar pertencimento, honrar minha história e me conectar profundamente com a minha essência. Descobrir-se negra é, antes de tudo, permitir-se existir inteira.
A legitimidade da identidade negra não depende de validação externa; ela brota da experiência, da ancestralidade e da leitura crítica das estruturas sociais. Reconhecer-se negro é um direito inegociável e um ato político que restaura dignidade e rompe narrativas que tentam limitar nossa existência. Assumir essa identidade é afirmar presença e criar futuros justos.
A consciência negra também é um compromisso coletivo. Ela exige responsabilidade nas escolhas que fazemos, nos espaços que ocupamos, nas lideranças que construímos e na forma como educamos as próximas gerações. Exige atenção às estruturas que reforçam desigualdades e decisão para enfrentá-las. Ser antirracista não é slogan; é prática cotidiana que sustenta relações, guia atitudes e transforma realidades.
Em um país estruturado pelo racismo, tomar consciência não é ponto de chegada — é caminho vivo. E esse caminho se fortalece quando cada pessoa negra se afirma, se reconhece e se movimenta. Cada gesto abre espaço para outras vozes. Cada passo amplia possibilidades de existência digna. Cada despertar ilumina futuros possíveis.
Porque não basta existir, é preciso se movimentar.
Aline Mariano
Professora universitária, Pedagoga, Psicanalista, Mestre em Educação e executiva no Terceiro Setor.