De Assistência a Desenvolvimento Social
A mudança de nomenclatura não é mero detalhe administrativo: expressa uma disputa política

A alteração da nomenclatura de Secretaria de Assistência Social para Secretaria de Desenvolvimento Social, como ocorreu em São José do Rio Preto, ultrapassa a esfera semântica. Representa um deslocamento ideológico que pode enfraquecer a concepção da assistência como direito e aproximá-la de uma lógica neoliberal, focalizada, higienista e privatizante. Essa disputa simbólica reflete interesses políticos e econômicos em conflito: como já apontava Bourdieu, a linguagem organiza percepções e orienta práticas sociais.
A Constituição de 1988 consolidou a assistência como direito e dever do Estado, integrando-a à Seguridade Social ao lado da saúde e previdência. Com a LOAS (1993) e a criação do SUAS (2005), a política avançou na universalização e descentralização, estruturando serviços de proteção básica e especial. Contudo, o avanço do neoliberalismo, marcado por focalização, terceirização e responsabilização individual, tem produzido retrocessos. Na assistência, isso se expressa em medidas higienistas, sobretudo contra a população em situação de rua, e na crescente terceirização via Organizações da Sociedade Civil (OSCs), muitas vezes contratadas sem critérios técnicos e sem transparência.
Enquanto o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), criado em 2004, articulou programas estruturantes como o Bolsa Família e fortaleceu o SUAS, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social de São Paulo consolidou um modelo gerencialista, terceirizado e focalizado, atrelado a discursos de superação da pobreza via empreendedorismo individual. O município de Rio Preto, ao adotar nomenclatura semelhante em 2025, tende a reproduzir esse viés, deslocando a centralidade do direito para a mera gestão da pobreza.
Os impactos são evidentes, em especial aos serviços destinados à população em situação de rua, como o Centro POP, tornam-se alvo de pressões higienistas, que tratam a presença dos vulneráveis como problema de “ordem urbana”. O risco é que instrumentos como o Censo da População de Rua ou mutirões de atendimento sejam capturados para legitimar práticas de invisibilidade, criminalização e exclusão, em vez de garantir proteção e direitos.
Reafirmar a assistência social como direito, conforme previsto na Constituição de 1988 e na LOAS, é condição indispensável para resistir à captura neoliberal e garantir cidadania plena. A mudança de nomenclatura não é mero detalhe administrativo: expressa uma disputa política cujo desfecho incide diretamente sobre a vida dos mais vulneráveis.
Márcia Rocha
Servidora Pública Municipal, Psicóloga no SUAS Rio Preto e Doutora pela Universidade Estadual de Campinas