Cultura: investimento social, econômico e democrático
O argumento de que 1% para cultura prejudica a saúde não tem respaldo técnico nem jurídico

Li com preocupação o artigo publicado sob o título “Cultura não nasce de verba pública”. Discordo profundamente das conclusões apresentadas e considero necessário restabelecer a verdade dos fatos, sob pena de que equívocos comprometam o desenvolvimento cultural e econômico de nossa cidade.
É correto afirmar que a cultura nasce do povo. Mas é igualmente correto reconhecer que sem políticas públicas de fomento, a cultura apenas sobrevive em ambientes privilegiados. Como garantir que a criançada da Região Norte tenha acesso a teatro? Que o mestre de capoeira possa ensinar a tradição que o Estado historicamente tentou apagar? Que os coletivos LGBTQIA+ produzam e existam sem censura social? Que as escolas de samba continuem a representar nossa história e identidade popular?
Aqui em Rio Preto, dados da Secretaria Municipal de Cultura e da Economia Criativa do Estado comprovam: a cada R$ 1,00 investido em cultura, retornam R$ 1,78 para a economia local; o setor cultural emprega mais de 5.200 trabalhadores formais e informais em Rio Preto; a Lei Nelson Seixas, em 2024, financiou 193 projetos culturais, impactando diretamente mais de 40 mil pessoas com acesso gratuito; projetos culturais geram turismo, renda para pequenos negócios (costureiras, cenógrafos, pintores, músicos, técnicos, motoristas, gráficas).
Investir em cultura não tira verba da saúde. O orçamento público é estruturado em rubricas legais obrigatórias: saúde e educação já possuem mínimos constitucionais assegurados (art. 198 e 212 da CF). Portanto, o argumento de que 1% para a cultura prejudica o atendimento médico não encontra respaldo técnico nem jurídico. O que sim reduz filas e adoecimentos é: ações culturais que fortalecem laços sociais, projetos que salvam jovens da violência, atividades artísticas que combatem depressão e ansiedade, oficinas que ampliam a inclusão e dignidade humana.
Ignorar isso é desprezar a própria ciência: a OMS reconhece a cultura como fator essencial de saúde pública. Nos anos mais difíceis da pandemia, foram artistas que mantiveram a esperança viva: apresentações online gratuitas, doações, mensagens educativas e humanitárias. O povo não esquece.
A cultura tem função econômica, social e constitucional. Os artigos 215 e 216 da Constituição Federal determinam que: “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e promoverá o fomento à cultura.” Ou seja: cultura não é luxo. É direito do cidadão. É dever do Estado.
Defendo, pois, com firmeza, que São José do Rio Preto continue avançando como referência nacional em políticas públicas culturais. Reduzir investimento na cultura é reduzir acesso à cidadania, é calar vozes, é empobrecer a cidade não apenas financeiramente, mas espiritualmente. Respeitemos o artista. Respeitemos o trabalhador da cultura. Respeitemos a Constituição. Sem cultura, uma cidade tem prédios, mas não tem alma.
Marcelo Afonso Pimenta
Advogado