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Corrupção ganha protagonismo na agenda global

O Brasil segue em direção contrária a essa mobilização internacional contra a corrupção

por Ligia Maura Costa
Publicado há 7 horasAtualizado há 3 horas
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Governos de diversos países participam, nesta semana, da 11ª Conferência das Nações Unidas contra a Corrupção (CoSP-11), realizada em Doha, no Catar. A Conferência ocorre num cenário marcado por instabilidade política e institucional e crescente influência de interesses privados sobre os interesses públicos.

Esses fatores impulsionaram recentes manifestações anticorrupção em diversas regiões do mundo, com grande protagonismo da geração Z e consequências políticas relevantes, inclusive queda de governos em países como Peru, Nepal e Bulgária. No entanto, o Brasil segue em direção contrária a essa mobilização internacional, mesmo diante dos recentes escândalos de corrupção, INSS, Master, PCC na Faria Lima.

Um dos principais testes da CoSP-11 será a deliberação sobre uma proposta que trata da transparência no financiamento de campanhas políticas. Várias organizações internacionais publicaram um apelo conjunto aos países solicitando a adoção de medidas que incluam identificação de doadores, proibição de doações anônimas e proteção a denunciantes de boa fé (“whistleblower”).

No Brasil, entretanto, essas pautas perderam a força. Diversas decisões judiciais recentes, sob o argumento de proteger o Estado democrático de direito, acabaram por reduzir o alcance de instrumentos fundamentais de investigação e punição de práticas corruptas. Essa tendência contribuiu para o enfraquecimento de mecanismos de responsabilização de agentes públicos e privados envolvidos em esquemas de corrupção. O resultado é o crescimento da sensação de impunidade, com impactos diretos na confiança pública no sistema de Justiça.

É nesse ponto que a CoSP-11 ganha relevância. Suas resoluções não mudam países por decreto, mas estabelecem parâmetros internacionais, que aumentam a pressão por mais transparência política e menos retrocessos institucionais. Para o Brasil, será um teste de aderência aos padrões internacionais de integridade ou de aceitação explícita do seu isolamento institucional e alinhamento com ideologias corruptas.

As decisões tomadas em Doha indicarão se a luta global contra a corrupção avançará para além da retórica. No caso brasileiro, o quadro é preocupante. Ainda assim, períodos de retrocesso não precisam ser definitivos. Se a demanda por integridade seguir viva no seio da sociedade civil, o país poderá reverter esse cenário e retomar o combate à corrupção, voltando a andar para frente e de cabeça erguida.

Ligia Maura Costa

Advogada. Professora Titular na FGV-EAESP. Escritora do livro Lava Jato: Histórias dos Bastidores da Maior Investigação Anticorrupção do Brasil