Chucrute com tacacá
Comparar Belém a Berlim é como misturar chucrute com tacacá

As falas do chanceler alemão Friedrich Merz sobre a experiência em Belém durante a COP-30 geraram indignação imediata. Parte da reação é compreensível, porque nenhum povo gosta de ouvir críticas externas à própria casa. Mas é importante separar o que é ofensa do que é desconforto diante da realidade. O chanceler não atacou pessoas, cultura ou identidade. Ele relatou, ainda que sem sensibilidade diplomática, a precariedade que encontrou.
E, nesse ponto, há fatos difíceis de ignorar. Comparar Belém a Berlim é como misturar chucrute com tacacá: dois mundos legítimos, ricos e culturalmente diversos, porém muito distantes em infraestrutura, saneamento, mobilidade e serviços públicos. A capital alemã está entre os melhores índices de qualidade de vida do planeta. Belém, apesar de sua força histórica e cultural, convive com um dos piores indicadores de saneamento entre capitais brasileiras, mobilidade limitada e desigualdade profunda.
Quando um chefe de governo circula por ruas com esgoto a céu aberto, trânsito caótico, estrutura improvisada e pressão urbana acima da capacidade instalada, ele não percebe exotismo. Ele enxerga contraste. E choque. Protocolo diplomático recomenda suavidade, mas a experiência direta não desaparece com discursos.
Joãozinho Trinta dizia que quem gosta de pobreza é intelectual e que o povo gosta é de luxo. A frase é dura, porém revela algo essencial. Qualquer ser humano, seja alemão ou paraense, deseja dignidade, conforto, beleza, segurança e ordem. Não é xenofobia constatar que algumas cidades oferecem isso mais do que outras. É desigualdade.
A crítica mais útil não é transformar Merz em vilão, e sim aproveitar o espelho incômodo que ele segurou, mesmo sem intenção. Belém merece infraestrutura compatível com sua importância amazônica, merecia receber a COP-30 sem improvisos e precisa ser defendida não negando seus problemas, mas desejando superá-los.
O tacacá segue sendo um patrimônio cultural delicioso. O desafio de Belém não é o sabor de sua identidade, e sim o entorno. O futuro que a cidade merece é aquele em que sua cultura seja celebrada não apesar das condições urbanas, mas também por elas.
Márcio Vidoti
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