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Brasil: Capital mundial da normalidade anormal

Discutimos política como torcida, defendendo pessoas em vez de princípios

por Márcio Vidoti
Publicado há 11 horasAtualizado há 3 horas
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O Brasil é especialista em transformar escândalo político em música de elevador: toca, todo mundo ouve, mas ninguém presta atenção. Em poucos dias vira trilha da rotina; em poucas semanas, parece notícia velha; em poucos meses, passa à categoria “não lembro bem”.

Promessa virou marketing. Investigação virou entretenimento. Base política virou moeda.
E coerência virou lenda urbana.

Quando políticos tentam flexibilizar regras que deveriam limitá-los, chamam de modernização. Quando relações estranhas aparecem, dizem que é coincidência. Quando contratos milionários surgem sem clareza, tratam como normal. É como se o absurdo tivesse crachá e acesso liberado à esplanada.

O que assusta não é o fato em si. É a naturalização do absurdo. Não reagimos; apenas rolamos o feed. A indignação agora vem com emoji, hashtag e prazo de validade.

O Brasil virou aquele velho disco arranhado: a música começa com esperança, cresce com emoção, promete o refrão da mudança… mas volta sempre ao mesmo ponto. Não é déjà-vu; é costume. É genética institucional. Seguimos acreditando que o país vai mudar no próximo ciclo, como quem espera resultado novo repetindo o mesmo roteiro.

Hierarquia, privilégio e impunidade seguem sólidos, bem nutridos e protegidos por gerações de conveniência. E nós, que adoramos um “jeitinho”, tratamos o problema com a mesma intimidade com que reclamamos dele.

Discutimos política como torcida, defendendo pessoas em vez de princípios. Cancelamos hoje, perdoamos amanhã, dependendo do lado da mesa. Transformamos opinião em espetáculo e verdade em acessório.

Se a arte imita a vida ou a vida imita a arte, pouco importa. Na arte, ao menos refletimos sobre o drama. Aqui, desligamos antes da reflexão. Porque reclamar do Brasil virou hobby. Indignar-se virou conteúdo. E protesto virou pose.

Todo mundo quer mudança, até ela exigir responsabilidade.

Condenamos privilégios, até esbarrar nos nossos. Somos revolucionários no discurso, conservadores no conforto e seletivos na memória.

O Brasil não precisa de revolução. Precisa de consequência. E parar de agir como se absurdo fosse normalidade.

Até lá, continuaremos assim: indignados por conveniência, acomodados por tradição e sempre rápidos em apontar culpados que não moram no nosso espelho.

Márcio Vidoti

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