Autoconhecimento na religião afro-brasileira
Ao saber quem se é, reconhece-se o caminho trilhado por aqueles que vieram antes

O autoconhecimento é um dos pilares fundamentais dentro da religião afro-brasileira. Mais do que práticas ritualísticas e cultos aos orixás, nkisis ou voduns, essa espiritualidade convida o indivíduo a mergulhar em si mesmo, a reconhecer sua ancestralidade, seu papel no mundo e sua relação com as forças da natureza e do sagrado. É um processo de reconexão com a essência, com o propósito de vida e com o equilíbrio interior.
Nas religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, o autoconhecimento se manifesta de maneira prática e simbólica. Por meio dos oráculos — como o jogo de búzios ou o oráculo do Ifá — os sacerdotes e sacerdotisas acessam mensagens dos orixás que orientam os filhos e filhas de santo sobre caminhos a seguir, desafios a superar e atitudes a transformar. Essa consulta espiritual é uma forma de espelho: ela não apenas revela o futuro, mas mostra o presente com profundidade, revelando aspectos internos que muitas vezes são ignorados.
O processo de iniciação também é um momento crucial de autoconhecimento. Ao passar pelo resguardo, o iniciado se desconecta temporariamente do mundo exterior para ouvir sua própria alma. Nesse recolhimento, ele aprende sobre seu orixá de cabeça, sua energia predominante, suas forças e fraquezas. Isso permite que a pessoa compreenda melhor suas reações, tendências e desafios pessoais, desenvolvendo mais empatia por si e pelos outros.
A importância do autoconhecimento na religião afro-brasileira está também ligada à valorização da ancestralidade. Ao saber quem se é, reconhece-se o caminho trilhado por aqueles que vieram antes. Cultuar os ancestrais não é apenas repetir rituais, mas honrar a sabedoria herdada e entender que o presente está intimamente ligado ao passado. O terreiro é, portanto, um espaço de cura coletiva, mas também de crescimento individual, onde cada membro é convidado a se entender, se melhorar e se fortalecer.
Além disso, a convivência com a diversidade de orixás e entidades — cada um com características distintas — ensina que há múltiplas formas de ser, e que nenhuma é superior à outra. Essa diversidade inspira tolerância, respeito às diferenças e acolhimento, valores essenciais para o desenvolvimento do autoconhecimento e da paz interior.
Em um mundo cada vez mais acelerado e desconectado da natureza, a religião afro-brasileira se mostra como uma trilha espiritual que resgata a escuta interna, a sabedoria do corpo, a intuição e o pertencimento. O autoconhecimento, nesse contexto, não é luxo nem vaidade — é sobrevivência, é resistência e é caminho para uma vida mais plena, consciente e sagrada.
Mãe Márcia da Osum
Membra do Coletivo Mulheres na Política