As duas direitas

A ideia de que Jair Bolsonaro lidera a direita brasileira não resiste a uma análise mais cuidadosa. Embora o bolsonarismo tenha forte presença nas ruas e nas redes, ele representa apenas uma parte, expressiva, mas não majoritária, do campo conservador. Hoje, dois terços dos brasileiros com valores de direita não se identificam como bolsonaristas. São conservadores que compartilham algumas visões, mas não aderem à seita política em torno do ex-presidente.
O que diferencia esses dois segmentos não é apenas o grau de engajamento. Há distinções claras de perfil social, visão institucional e agenda política. O núcleo bolsonarista é mais concentrado nas classes médias e altas do Sul e Sudeste, com forte presença digital e disposição para mobilização. Já a direita não-bolsonarista está mais espalhada entre classes populares e regiões diversas, com atuação política menos ruidosa.
Ambos os grupos compartilham desconfiança em relação a instituições como o Supremo Tribunal Federal e mantêm posições conservadoras em temas econômicos e sociais. Porém, quando se trata de respeito a decisões judiciais, igualdade de direitos ou anistia pelos atos de 8 de janeiro, o fosso entre eles se abre. A direita não-bolsonarista tende a aceitar os limites institucionais; o núcleo bolsonarista, mais radicalizado, os rejeita. Conservadores tradicionais desejam mudanças graduais e estabilidade; reacionários querem uma ruptura imediata com base em um passado idealizado. São projetos diferentes que coexistem sob um mesmo rótulo.
Essa divisão explica parte das dificuldades dos partidos conservadores para construir candidaturas competitivas. Desde o fim do governo Bolsonaro, lideranças de siglas como PL, NOVO, Progressistas e União Brasil tentam encontrar um nome de consenso, mas esbarram na exigência de apoio irrestrito ao ex-presidente. O cálculo é pragmático: sem os 12% do núcleo bolsonarista, é difícil chegar ao segundo turno. O risco é que, ao adotar pautas voltadas à defesa pessoal de Bolsonaro, afastem justamente os setores moderados da direita e do centro que costumam decidir eleições.
O Brasil convive, hoje, com uma realidade inédita: uma militância organizada à direita, com enorme visibilidade, mas que não representa a totalidade desse espectro. A disputa política dos próximos anos não será sobre a existência ou não da direita, mas sobre qual direita conseguirá liderar esse campo: a que se ancora no bolsonarismo ou a que busca um projeto próprio.
Lawrence Garcia
Um observador qualquer.