Amor negado desde o nascimento: racismo obstétrico
Nascemos expostas a violências, somos tratadas como territórios de desejo ao longo da nossas vidas

Não é nenhuma novidade que o racismo atravessa todas as camadas das relações no nosso cotidiano. Infelizmente, ainda é algo presente e constituinte da subjetividade do brasileiro. Negá-lo apenas alimenta esse mal criado a séculos.
Também já foi objeto de inúmeros estudos a sexualização e objetificação do corpo preto, em especial do corpo lido como feminino. As práticas obstétricas foram criadas em cima de torturas de mulheres escravizadas, que eram submetidas a cirurgias e procedimentos sem anestesias e sem a menor humanização.
Esse olhar sobre o corpo feminino não se dilui quando o mesmo está gestando e parindo. Ainda há uma grande processo de desumanização em um dos momentos em que deveria ser cuidado, respeitado e bem assistido.
Hoje temos pesquisas que evidenciam o racismo obstétrico, pois sabemos que 43% das mulheres pretas e pardas sofrem violência obstétrica enquanto que este número cai para 24%. Essa diferença está enraizada na ideia de que a mulher preta é mais resistente a dor, necessita de menos cuidado no seu pré natal e consequentemente no momento do parto e pós parto.
Não acredito que haja intencionalidade nas ações, ou ao menos prefiro não acreditar, porém há responsabilidade e tal assunto precisa ser colocado a mesa, em simpósios, congressos pois não há mais como negar uma realidade cruel e inadmissível.
O amor negado aos corpos pretos e femininos se dá desde seu nascimento, pois a mulher que passa de lar a portal para o mundo é exposta a violências e negligências afetando a passagem desse novo ser. Nascemos expostas a violências, somos tratadas como territórios de desejo ao longo da nossas vidas e com isso o amor vem sendo negado.
Que garota preta nunca se viu tendo affair escondido, que garota preta nunca se sentiu preterida, que garota preta lembra de sua infância e adolescência sem dor?
Precisamos fazer o pacto de plantar esse repertório emocional amoroso desde a gestação, parto e ao longo da vida dessas mulheres. Não há como criar uma auto imagem e auto estima sem referência de respeito e afeto.
Meu manifesto neste texto, enquanto psicóloga e doula é para que a nossa sociedade local reivindique melhores condições de pré-natal, parto e pós parto para todas as pessoas que se prontificam a gestar e parir e que num ato de reparação histórica se aproprie do racismo obstétrico e inicie políticas públicas.
Que nenhum bebê preto nasça banhado de dor, que sua passagem seja recheada de amor e luz!
Juliana Mogrão Moreira
Psicóloga (CRP0679332) e doula