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Ainda estamos aqui

A violência contra a mulher atravessa lares, relações afetivas, trabalho e espaços públicos

por Lívia Maria de Carvalho
Publicado há 7 horasAtualizado há 3 horas
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Em 2025, a luta das mulheres deixou de ser apenas por direitos e passou a ser, de forma dolorosamente explícita, pela própria sobrevivência. Não foi um ano marcado por episódios isolados, mas por cenas que chocaram o país e revelaram a face mais brutal da violência de gênero.

O Brasil assistiu, estarrecido, às imagens da mulher que recebeu 60 socos do companheiro dentro de um elevador. Também acompanhou o caso da mulher atropelada e arrastada pelo carro do namorado por cerca de 1 km na Marginal Tietê. Esses não foram casos excepcionais: foram símbolos de uma realidade cotidiana que insiste em se repetir.

A violência contra a mulher, seja ela física, psicológica, patrimonial e até política, atravessa lares, relações afetivas, ambientes de trabalho e espaços públicos. Em 2025, muitas mulheres não pediram privilégios nem discursos vazios: pediram o direito básico de continuar vivas.

Para mulheres negras, essa luta foi ainda mais dura. Uma advogada negra que passou todas as violências possíveis e imagináveis foi retirada da Casa que deveria protegê-la, porque alguém que acha que pode soltar ou prender, simplesmente baixou um ato institucional. E chamam isso de democracia. A violência se somou ao racismo, as tentativas de silenciamento e à ausência de posicionamento das instituições.

Apesar disso, 2025 também foi um ano de coragem. Mulheres transformaram dor em denúncia, medo em mobilização e silêncio em redes de apoio. Coletivos, organizações da sociedade civil e defensoras de direitos humanos ocuparam os espaços onde o poder público falhou. Cada mulher que resistiu tornou-se prova viva de que sobreviver, no Brasil, ainda é um ato político.

O recado deixado por 2025 é claro e incômodo: enquanto a violência contra a mulher não for tratada como prioridade absoluta, falar em democracia, justiça e direitos humanos será sempre insuficiente. A vida das mulheres não pode continuar sendo negociável.

Que a memória deste ano não sirva apenas para chocar ou indignar, mas para exigir mudanças reais. Porque nenhuma mulher deveria precisar lutar para sobreviver. Apesar da violência, do silêncio imposto e das tentativas de apagamento, ainda estamos aqui.

Lívia Maria de Carvalho

Advogada. Secretária-Geral da Comissão Estadual de Igualdade Racial da OAB/SP. Relatora do Comitê Especial sobre Julgamento com Perspectiva de Gênero do TED OAB/SP. Membra do Coletivo Mulheres na Política