Agro sim, só agro não
O agro pode e deve ser parte de nossa potência econômica, mas não pode ser o eixo exclusivo

O Brasil não precisa de mais agro; precisa de mais Brasil além do agro. Quando o campo vira projeto de país, deixamos de ser protagonistas para assumir, de novo, o papel de fornecedores baratos de matéria-prima num mercado desenhado por quem dita tecnologia, marca preço e captura a maior fatia do valor.
É inegável: o agronegócio brasileiro é um feito técnico e organizacional admirável. Produzimos muito, com alta produtividade tropicalizada, logística robusta e uma cadeia financeira sofisticada. Esse desempenho coloca o país entre os maiores produtores de alimentos do mundo. Mas potência setorial não é sinônimo de projeto nacional. Quando se torna base quase exclusiva da economia, o modelo mostra seus limites: concentra renda, gera poucos empregos de alta qualificação (porque é altamente automatizado e dependente de insumos intensivos em capital) e cria encadeamentos tecnológicos curtos, incapazes de sustentar inovação de ponta comparável à da indústria ou dos serviços avançados.
No mundo globalizado existe essa dinâmica que marca o desenvolvimento: capitalismo central versus capitalismo periférico. Os núcleos desenvolvidos precisam de matérias-primas baratas para alimentar suas máquinas de inovação. Aos periféricos, vende-se a ideia da “vantagem comparativa eterna”: produzam o que a terra dá, comprem de nós o que exige ciência cara. Quando aceitamos esse script, desindustrializamos outros setores e reduzimos a ambição tecnológica, perpetuando a condição de dependência.
A história oferece um contraexemplo eloquente. No século XIX, os Estados Unidos recusaram o papel de celeiro que a Inglaterra lhes reservava. Apostaram em proteção à indústria nascente, em infraestrutura, educação técnica e pesquisa — e mudaram de patamar. Não se trata de copiar receitas de outro tempo, mas de aprender a lição política: países que sobem a escada da renda não se resignam a vender só o que a natureza dá.
O desafio brasileiro é equilibrar as forças. O agro pode e deve ser parte de nossa potência econômica, mas não pode ser o eixo exclusivo. E é bom lembrar que embora o agro produza muito, é a agricultura familiar que desempenha um papel crucial na produção de alimentos do que consumimos diariamente no Brasil, cerca de 70%.
Se quisermos desenvolvimento com soberania, precisamos transformar nossas vantagens naturais em cadeias de valor mais longas, investir em educação e ciência nacional, em tecnologia própria e em empregos de qualidade.
Agro sim, só agro não.
Érico Fumero
Professor, doutor em Filosofia pela Universidade de Santiago de Compostela-Espanha.