Adultização: quando a infância é roubada
Estar presente não é só “ficar junto”. É ouvir, orientar, observar sinais e estabelecer limites

“O problema não é só o que as crianças estão fazendo… É o que nós, adultos, estamos permitindo acontecer.”
Essa frase poderia ser apenas uma provocação nas redes sociais, mas, na última semana, ganhou ainda mais sentido com um vídeo que viralizou. O influenciador Felca publicou um conteúdo denunciando situações de adultização de crianças — exposição precoce a comportamentos, falas e padrões que não pertencem à infância.
O vídeo trouxe à tona algo que não é caso isolado, e sim o sintoma de um fenômeno muito maior. A adultização acontece quando aceleramos fases do desenvolvimento infantil, seja de forma explícita — sexualização em roupas, falas e danças — ou de forma mais sutil, ao cobrar maturidade emocional, produtividade e responsabilidades incompatíveis com a idade.
Segundo a American Psychological Association (APA), essa exposição precoce pode gerar estresse tóxico — um tipo de estresse contínuo que altera o desenvolvimento cerebral e aumenta o risco de problemas de saúde mental na vida adulta. Pesquisas do Instituto Alana e da Fundação Abrinq indicam que crianças expostas à sexualização precoce têm maior probabilidade de desenvolver baixa autoestima, distorção da autoimagem e dificuldades de relacionamento.
O problema se agrava com o uso excessivo de telas. De acordo com o relatório Common Sense Media 2023, crianças entre 8 e 12 anos passam, em média, 5 horas e 33 minutos por dia conectadas, muitas vezes sem supervisão. Isso significa acesso a conteúdos e padrões que moldam comportamentos antes da hora.
Não se trata apenas de limitar o que chega até elas, mas de estar presente para orientar, proteger e filtrar o que é absorvido. A neurociência mostra que o cérebro infantil depende de referências seguras para formar identidade e regular emoções. Quando terceirizamos esse papel para algoritmos e influências externas, abrimos mão da nossa função mais importante: formar, proteger e guiar.
O problema não está apenas nas redes sociais. Está no quanto estamos distraídos como pais, educadores e sociedade.
Estar presente não é só “ficar junto”. É ouvir, orientar, observar sinais e estabelecer limites. E não dá para oferecer presença se vivemos no piloto automático. Quando cultivamos atenção plena em nós mesmos, aprendemos a estar — de verdade — com quem amamos.
Antes de olhar para a tela, olhe para o lado. Pode haver ali um par de olhos pequenos, esperando a sua presença para se sentir seguro no mundo.
Bruna Bârbosa
Jornalista, especialista em Neurociência, Psicologia Positiva e Mindfulness. Palestrante, escritora, mentora e aluna especial da Famerp