A síntese
Não escrevo como denúncia a esta objetividade que se propaga de forma cada vez mais acelerada

Como leitor assíduo do Diário da Região, atento ao noticiário, às crônicas e aos artigos nele publicados, sinto-me alegremente surpreso pela qualidade dos que escrevem sobre economia, IA, política e quaisquer outros temas sobre os quais eu não saberia discorrer. E o contraponto destes articulistas se resume a quatro ou cinco cronistas (entre os quais me incluo) que ainda perseveram na delicada missão de manter viva a matéria da subjetividade, ao falar das emoções, da ancestralidade, da literatura e das revivências de suas raízes.
O título desta crônica tem a ver com meu desejo (idosos ainda desejam e sabem desejar melhor) de um futuro onde se compreenda a necessidade irreversível das máquinas “pensantes” (será?) aliada ao exercício constante da evocação da subjetividade, por quais meios isto possa acontecer. Soam muito estranhos certos fatos que me ocorrem e que interpreto como verdades, mesmo que não possa prova-los cientificamente. Um deles, muito recente: nestes dias de frio intenso em que, dentro de casa, uso um velho abrigo que me abriga carinhosamente, surgiu-me a necessidade de sair, a fim de resolver um problema qualquer. Abriguei-me com um agasalho mais “chique” e, ao passar pela cadeira da sala onde meu velho agasalho estava pendurado, estaquei de súbito. Um sentimento profundo de descaso e abandono, era o que me parecia ouvir daquele objeto, como se ele me falasse do desprezo ou da vergonha de expô-lo pelas ruas. O que fiz, em seguida, fica por conta do olhar de cada leitor. Sim, os objetos nos falam por meio de uma intersubjetividade que alguns sentem como verdade, outros como simples besteira, que não tem como ser demonstrada em estatísticas, gráficos ou IA.
Mas eles nos falam da forma como sentimos as mudanças que se operam os nossos olhos, quando alguma coisa “muda” o ambiente: você espera a visita de um bom amigo, que se dispõe a um encontro de bate-papo a toa, você separa o melhor vinho ou qualquer boa cerveja à espera deste amigo, você sente a luminosidade do ambiente, tudo brilha, até que toca seu celular e seu amigo diz que não virá por causa de um imprevisto. Os objetos da sala, silenciosamente, nos falam do vazio, da ausência.
Estas coisas de que falo aqui, muitos dirão tratar-se de fantasias delirantes, coisas de poeta (não sou poeta), alucinações passageiras que não poderiam ser tratadas como realidade, e até concordo, se estiverem falando de uma realidade baseada em evidências concretas. Mas como disse logo acima, no título, não escrevo como denúncia a esta objetividade que se propaga de forma cada vez mais acelerada. Falo do sonho de uma síntese, onde se mesclarão os avanços tecnológicos com o existencial humanista que, por redundância, mais nos tornarão humanos.
Wilson Daher
Psiquiatra aposentado, cronista eventual e membro da Academia Rio-pretense de Letras ( Arlec)