A pausa que nunca foi pausa
Em qual outra categoria profissional a ida ao banheiro é descontada do salário?

O som da campainha escolar, para a grande maioria das pessoas, remete a uma memória afetiva de liberdade, correria e descanso. Para o aluno, é o momento de soltar as energias. No entanto, para quem está do outro lado da lousa, a realidade é drasticamente diferente.
Durante décadas, normalizou-se a ideia perversa de que o recreio e os intervalos entre aulas seriam "tempo livre" para o professor, muitas vezes não remunerado. Felizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de colocar um ponto final nessa distorção, confirmando o entendimento do TST de que esse período integra, sim, a jornada de trabalho remunerada.
A decisão é um marco civilizatório nas relações trabalhistas educacionais. Pensemos friamente: em qual outra categoria profissional a ida ao banheiro, o gole rápido de café ou o simples deslocamento entre um setor e outro são descontados do salário? Num escritório corporativo, quando um funcionário levanta para esticar as pernas, seu ponto não é cortado. Por que, então, aceitamos por tanto tempo que o professor, ao sair de uma sala e caminhar até a sala dos professores, ou pior, permanecer no pátio vigiando alunos, estivesse "descansando"? A decisão da Corte Suprema corrige uma assimetria histórica e reafirma que o tempo à disposição do empregador é tempo de serviço.
Essa validação jurídica ganha contornos ainda mais dramáticos e necessários quando olhamos para a Educação Infantil e os anos iniciais do Fundamental. Quem vive o chão da escola sabe que, nesses níveis, a palavra "intervalo" é uma ficção. O professor e, majoritariamente, a professora, não param. O recreio é o momento de fiscalizar a alimentação, apartar conflitos, prevenir acidentes no parquinho e garantir a integridade física de dezenas de crianças simultaneamente. É um estado de alerta constante, uma vigilância que exige carga mental e física. Dizer que isso não era trabalho remunerado não era apenas um erro jurídico, mas uma desumanidade que invisibilizava o cuidado intrínseco à docência.
É fundamental destacar que essa vitória não caiu do céu. Ela não foi uma concessão benevolente das mantenedoras de ensino, tampouco um súbito despertar de consciência dos patrões. Esse reconhecimento é fruto direto da luta intransigente dos sindicatos. A defesa da categoria passa, obrigatoriamente, pela união em torno de quem nos defende institucionalmente.
Portanto, celebrar essa decisão é celebrar a valorização do magistério. Reconhecer o recreio como jornada é dizer, em alto e bom som, que cada minuto que o professor dedica à escola, seja lecionando frações, seja cuidando para que uma criança não se machuque no escorregador, tem valor. A educação não se faz apenas com giz e lousa; ela se faz com presença, cuidado e tempo. E tempo de professor é tempo valioso, que merece respeito, remuneração justa e dignidade. Que essa jurisprudência sirva de alicerce para avançarmos ainda mais na conquista de direitos que, embora pareçam básicos, ainda precisam ser arrancados com muita luta.
Eduardo Alves de Lima
Professor de História e Pedagogo, Diretor Social do Sinpro Rio Preto e Região.