A gente somos inútil?
Um artigo sobre a desilusão cívica e o clamor por transparência na gestão municipal

É com um misto de indignação e desilusão que ecoamos o título da canção de Roger Moreira, do grupo Ultraje a Rigor: "A Gente Somos Inútil". Infelizmente, essa é a percepção que parece transparecer nas atitudes de alguns de nossos vereadores em São José do Rio Preto, especialmente após a controversa aprovação do aumento do IPTU.
A fatídica sessão da Câmara de Vereadores que chancelou o injusto aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano – uma medida que penaliza indiscriminadamente todos os munícipes – foi marcada por uma reunião a portas fechadas.
Ali, em um ambiente que imaginavam ser seguro para expressar seus verdadeiros pensamentos sobre seus eleitores, um vereador proferiu palavras que, felizmente, não permaneceram confidenciais. O áudio vazou, revelando a crueza de uma mentalidade que choca: A gente somos inútil. "O projeto é ruim. O projeto é horrível. (…) Nós votamos aumento de salário, votamos vinte e três cadeiras e estamos aqui. Vamos mostrar trabalho daqui três anos e meio. Você não tem capacidade de mostrar trabalho? Então foda-se. (…) Homem tem que ser homem na frente do povo".
Essa declaração, por si só, é um espelho do que muitos cidadãos sentem: uma desconexão entre os eleitos e seus representados. Fica evidente que, para certos parlamentares, a população só importa verdadeiramente em período eleitoral, quando promessas vazias são reiteradas para garantir a permanência no poder.
A atitude de um vereador que, após votar contra o projeto, subitamente mudou seu posicionamento para favorável – talvez após um telefonema de origem externa, como sugerido – é um sintoma claro de que interesses pessoais ou de grupos podem estar se sobrepondo ao bem-estar coletivo. Tal reviravolta é um tapa na cara da democracia e da tão alardeada transparência.
No nosso município, fala-se muito em "transparência", mas ela frequentemente se restringe a discursos em redes sociais, sem se traduzir em ações concretas. Prega-se a direita, mas na prática, muitas ações parecem caminhar para um caminho oposto aos princípios de boa gestão e prestação de contas. A verdadeira transparência exige mais do que postagens: ela demanda justificativa para as inúmeras nomeações de cargos – especialmente quando se alega falta de recursos – e explicações claras para viagens, inclusive internacionais, sem aparente propósito público. Questionamos: "O que foi fazer em uma pequena cidade da Flórida? Comida e samba? Tem que justificar."
Eu, que sempre me recusei a generalizar, afirmando que "nem todos são iguais" – e de fato não são, lembrando o vereador a quem dediquei meu voto, um ferrenho batalhador contra os desmandos do prefeito, tanto na taxa do lixo quanto no IPTU –, vejo que a complacência não é mais uma opção. É tempo de provarmos a nossa verdadeira força como cidadãos. Sem violência, sem ofensas, devemos começar a cobrar os atos daqueles que elegemos. É fundamental desvelar os interesses obscuros que levam a uma obediência bovina ao chefe do Executivo, frequentemente ligados a indicações para cargos na Prefeitura.
Podemos iniciar esse processo de conscientização e fiscalização de forma pacífica, mas contundente. Sugiro que cada um de nós, sem expor nomes de indivíduos, comece a divulgar em suas redes sociais e grupos de WhatsApp informações sobre quantos cargos foram preenchidos por indicações dos vereadores. Afinal, não é segredo que políticos brasileiros se valem de indicações para cargos custeados com recursos públicos, visando angariar votos e assegurar sua permanência. É assim que se explica, em muitos casos, a longevidade de alguns na Câmara, mais preocupados em "mostrar serviço" às vésperas das eleições.
Em paz, com consciência e sem ofensas, podemos começar a desvendar esses atos obscuros, que contradizem a tão propagada transparência. Devemos observar atentamente a reação daqueles que começarem a reclamar quando a população adotar tais atitudes; isso apenas trará à luz o que não desejam que seja visto. Como bem diz o ditado, "o melhor detergente é a luz do sol".
João Ricardo Moreira
Advogado.