Diário da Região
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A cor que não existe (mas sorri)

Num arco-íris, que é luz branca decomposta em cores visíveis, do vermelho ao azul, cadê o rosa?

por Fábio Moraes
Publicado há 1 hora
Fábio Moraes (Divulgação)
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Como nosso cérebro entende as cores e molda o que vemos e percebemos da realidade. Eu sou daltônico, ou seja, confundo cores. Quase todo mundo que convive comigo já percebeu essa diferença. E sim, é uma condição genética, não uma doença, herança da minha mãe. Como ela tem dois cromossomos X, não é daltônica. Mas eu, com apenas um X, fui sorteado.

Tenho lembranças vívidas da infância que denunciam isso. Uma delas é quase um clássico pessoal: pintei a bandeira do Brasil de laranja em vez de verde.

Com o tempo, desenvolvi estratégias que só mais tarde descobriria serem comuns entre daltônicos. No estojo de lápis de cor, o marrom, a cor mais traiçoeira para mim, ficava sempre no mesmo canto. Era ele o escolhido para pintar troncos de árvore. E se o lápis saía do lugar, eu pedia ajuda: "Me passa o marrom?" Funcionava razoavelmente bem.

Até o dia em que, no ensino médio, durante uma aula de genética, ouvi sobre uma condição em que algumas pessoas não distinguem certas cores. Bum. Fez-se a luz. Não era um problema só meu, cerca de 2% das pessoas são como eu. Não era erro, era diferença.

Depois disso, encontrei outros daltônicos. Troquei histórias, dei risada com memes como aquele do vestido (azul e preto ou branco e dourado?). Ver pessoas não daltônicas discordarem sobre as cores me dá uma sensação quase de vingança poética. Tipo: “Bem-vindos ao meu mundo.”

Claro, ainda há o lamento. Nunca verei o verde como a maioria vê. Para mim, folhas vivas e grama têm um tom alaranjado. Quando secam, viram algo parecido com marrom ou um verde desbotado. O roxo também se perde no meio do caminho. Mas tudo bem. Hoje, até me divirto ao falar disso.

Aliás, sempre que aparece uma matéria sobre o tema, paro para ler. Como a do Diário da Região com o bombeiro Lincoln Rafael Possidonio, que ganhou um óculos para corrigir essas confusões de cores. A mais recente foi no Medium, escrita por Anna Dorn. O título já fisgou minha atenção: "Por que a cor rosa não existe realmente." Ela conta que, desde criança, se perguntava se o rosa que via era o mesmo rosa que os outros viam.

Na física, podemos explicar que cor é uma invenção do cérebro para interpretar a luz. Cada cor tem seu comprimento de onda. O vermelho tem um longo. O azul, mais curto. Mas... e o rosa? Bem, o rosa não tem comprimento de onda. Não existe fisicamente.

Num arco-íris, por exemplo, que é luz branca decomposta em cores visíveis, do vermelho ao azul, cadê o rosa? Não está lá. Simplesmente não faz parte do espectro.

Anna explica que nosso cérebro “cria” o rosa quando recebe luz com estímulo de vermelho e azul, mas nenhum verde. Nossos olhos têm apenas três receptores: azul, verde e vermelho. Quando os dois primeiros se ativam e o verde não, voilà: o rosa aparece. É o cérebro improvisando uma cor.

Outros animais, como algumas aves, têm mais receptores que nós, veem ultravioleta, infravermelho, e outras misturas que nem conseguimos imaginar. Já eu, com algum grau de deficiência no receptor do vermelho, perco boa parte desse mundo invisível aos olhos comuns, inclusive algumas combinações como o roxo.

Mas se o rosa não tem base física, que assim seja. Que continue sendo um presente do cérebro, uma ilusão colorida com status de sentimento.

A cor favorita do meu filho pode até não ter um comprimento de onda. Mas ela tem um brilho todo especial quando aparece em seu sorriso.

Fábio Moraes

Auxiliar de Pesquisa, departamento de Física, IBILCE-UNESP.