A China e o Confucionismo
O confucionismo foi responsabilizado pelo atraso científico e político da China

Por mais de dois milênios, a doutrina confucionista moldou a sociedade chinesa, em todos os seus aspectos. O filósofo chinês Confúcio (Kung-Fu-Tzu), que viveu antes de Cristo, nos anos de 551 a 479, construiu um sistema ético que combinava a hierarquia - em que as pessoas conheceriam seu lugar na sociedade - com a benevolência dos governantes e das pessoas em posições superiores, que deveriam cuidar dos seus subordinados.
Em interessante artigo, publicado há alguns anos no jornal “Folha de S. Paulo”, (ed. de 01/07/2021), a jornalista Patrícia Campos Mello resumiu assim o pensamento de Confúcio: “O sábio pregava a devoção aos mais velhos e o respeito à hierarquia e à autoridade. Ensinava que esses valores eram essenciais para que os indivíduos atingissem excelência e retidão moral. E aqueles que seguissem seus preceitos seriam a base de uma sociedade harmônica e estável”.
Além disso, em busca da harmonia, procurava disciplinar todo tipo de relação social: a relação entre pai e filho, entre irmãos mais velhos e irmãos mais novos, entre os cônjuges, entre governantes e governados, entre antepassados e descendentes, entre patrões e empregados, entre superiores e subalternos, entre professores e alunos, e até entre amigos. Essas relações seriam fundamentadas pelo princípio da hierarquia, em que um dos elementos seria superior e o outro, inferior.
Ainda que entre altos e baixos, por séculos o confucionismo esteve presente na sociedade chinesa, até que, a partir de 1949, com a ascensão do líder comunista Mao Tsé-Tung ao poder, o confucionismo foi responsabilizado pelo atraso científico e político da China, e por isso sofreria um forte revés: todos os rituais confucionistas foram banidos, e classificados como práticas feudais, de interesse da aristocracia.
No auge da Revolução Cultural (que de cultural não tinha nada!), a Guarda Vermelha se empenhava para destruir os chamados “Quatro Velhos”: as velhas ideias, a velha cultura, os velhos costumes e os velhos hábitos, que, na visão de Mao, eram os maiores símbolos do entulho feudal que impedia a China de avançar e ser verdadeiramente revolucionária. O pensamento de Confúcio estaria entre os “quatro velhos”, pois era visto como conservador, retrógrado, burguês e contrário à causa comunista.
A lenta reabilitação das ideias de Confúcio só começaria após a morte de Mao Tsé-Tung, e a partir da década de 1980, como uma forma de virar a página dos excessos cometidos por décadas, ao longo da revolução comunista. O resgate do confucionismo seria, então, uma espécie de reação ao marxismo e sua doutrina do materialismo histórico. A reabilitação total do pensamento de Confúcio só ocorreria a partir dos últimos vinte anos, período em que as lideranças chinesas têm utilizado o confucionismo para promover valores como lealdade ao Estado, devoção à família e às virtudes públicas e privadas.
Hoje, o confucionismo tem sido empregado para imprimir características locais ao socialismo do país, tornando o regime mais identificado com a cultura chinesa.
João Francisco Neto
Advogado, doutor em Direito Econômico e Financeiro (USP). Monte Aprazível.