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ARTIGO

A arte salva

Ao criar, o indivíduo deixa de ser reduzido à dor e se reconhece como sujeito de sua história

por Glau Ramires
Publicado há 17 horasAtualizado há 42 minutos
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No "Agosto Lilás", mês dedicado à conscientização e combate à violência contra a mulher, reforçamos a importância da mobilização coletiva diante de uma realidade que exige resistência e transformação. Nossa atuação como ativistas de gênero é ampla e plural, integrando palestras, rodas de conversa, vivências e conexões entre coletivos. O objetivo é ecoar vozes diversas e pavimentar um caminho mais justo e igualitário, com políticas públicas eficazes e preventivas, além do aprimoramento constante das leis de proteção.

Desde 2019, como pesquisadora do impacto social e pessoal da Arte no processo de resiliência de mulheres vítimas de violência, atuo por meio do Coletivo Filhas de Fênix. Nele, observamos que a expressão artística não é apenas linguagem estética, mas poderoso instrumento de reconstrução emocional, ressignificação de experiências dolorosas e fortalecimento da identidade.

Essa compreensão já foi demonstrada por cientistas, humanistas e médicos que reconheceram na Arte um recurso de cura. Entre eles, destaca-se Nise da Silveira, mulher, psiquiatra brasileira que revolucionou o tratamento em saúde mental ao utilizar pintura e modelagem como formas de expressão de afetos. Sua contribuição rompeu paradigmas, mostrando que criatividade e sensibilidade oferecem caminhos mais humanos que a reclusão e métodos agressivos.

Seguindo esse legado, pensadores das ciências humanas confirmaram que, ao criar, o indivíduo deixa de ser reduzido à dor e se reconhece como sujeito de sua própria história. A neurociência contemporânea comprova que atividades criativas ativam áreas cerebrais ligadas ao prazer, à memória e à resiliência emocional, fortalecendo a capacidade de enfrentamento.

Assim, quando mulheres em situação de violência acessam a Arte — pela pintura, escrita, dança, teatro ou música — conectam-se a uma energia ancestral de cura e reinvenção. Nesse processo, elaboram suas dores e ampliam a consciência coletiva sobre a necessidade de transformação cultural, quebrando ciclos de abuso e inaugurando novas possibilidades de existência.

A experiência mostra que a Arte salva porque abre horizontes, devolve potência criativa e reafirma a vida. Como herdeira do legado de Nise da Silveira e de tantos outros que acreditaram no poder da expressão, reafirmo: cada gesto criativo é também um ato político e um caminho para a liberdade.

No Agosto Lilás sugiro propormos fazeres artísticos como bússola na reconstrução dos traumas de todas nós.  

Glau Ramires

Multiartista, Escritora, Ativista, Agente Territorial de Cultura, Conselheira da Mulher pelo Coletivo Feminista Lugar de Mulher É Onde Ela Quiser, Membra do Coletivo Mulheres na Política e Fundadora do Coletivo Filhas de Fênix.