‘Jeitinho’ criminoso
Enquanto persistir a ideia de que falsificar um atestado é apenas “dar um perdido”, estaremos não só normalizando a desonestidade, mas cultivando um terreno fértil para a impunidade

A falsificação de atestados médicos deixou de ser um caso isolado para se tornar uma epidemia de má-fé em Rio Preto. Reportagem publicada no último domingo, 10, pelo Diário releva que, em apenas três anos, o número de fraudes quase triplicou - de 17 em 2022 para 50 em 2024, ultrapassando já em julho de 2025 a marca de 61 casos. Por trás desses números, há uma cultura nociva: a de tratar a mentira como esperteza e a fraude como solução rápida para fugir das responsabilidades no trabalho.
Falsificar ou adulterar um atestado não é um “jeitinho” para escapar de um dia cansativo ou de uma tarefa desagradável. É crime previsto no Código Penal, com pena que pode chegar a seis anos de prisão quando o documento é público. Além disso, o uso de documento falso, mesmo que produzido por outra pessoa, é igualmente punível. A “brincadeira” pode sair cara - em dinheiro, na carreira e na ficha criminal.
Os exemplos são tão absurdos quanto reveladores. Psiquiatras diagnosticando cólicas renais enquanto estavam de férias no exterior; atestados odontológicos emitidos por médicos; rasuras grotescas que transformam um dia de afastamento em cinco. Casos que chegam a ser risíveis, não fosse o fato de revelarem um problema sério, que mina a confiança entre empregadores e empregados e sobrecarrega o sistema de saúde e o Judiciário.
Especialistas são claros: diante de um atestado falso, a demissão por justa causa não é apenas legítima, mas necessária. O ato rompe o elo de confiança que sustenta qualquer relação de trabalho. Ao mesmo tempo, a pena branda para réus primários, aliada à baixa percepção de risco, alimenta a reincidência. É o ciclo perfeito para que o crime continue se repetindo.
Fraudar um atestado não prejudica apenas o patrão. Afeta colegas que assumem a carga de trabalho, distorce estatísticas de saúde, onera empresas e, em larga escala, corrói a credibilidade de documentos que deveriam ser sagrados para a preservação da dignidade humana.
Combater o problema exige mais que repressão. Passa por sistemas mais seguros de emissão e validação de documentos, por equipes de saúde ocupacional atuantes dentro das empresas e por treinamentos que capacitem gestores a identificar indícios de fraude. E, sobretudo, por uma mudança cultural que devolva à palavra “jeito” o sentido de criatividade e solução legítima, e não de atalho ilícito.
Enquanto persistir a ideia de que falsificar um atestado é apenas “dar um perdido” no trabalho, estaremos não só normalizando a desonestidade, mas cultivando um terreno fértil para a impunidade. E, nesse campo, o que floresce não é o descanso merecido - é a corrupção do caráter.