Veja como se preparar antes de aderir ao 'ano sabático'
Profissionais optam por pausa na carreira como forma de descansar e repensar os próximos passos; mas antes de fazer essa mudança é preciso se planejar para não ter problemas financeiros ou emocionais

“Trabalhei durante 22 anos e após o nascimento do meu primeiro filho comecei a refletir sobre isso”. É com esse pensamento que a publicitária Jordana Augusto Alcântara Castilho e outros milhares de brasileiros estão optando pelo ano sabático como uma forma de descansar e repensar os próximos passos da carreira profissional.
Mas, antes de dar esse passo, muita coisa precisa ser considerada. Fazer uma pausa na carreira implica em abrir mão do salário mensal, exigindo educação financeira para passar pelo período. Jordana, por exemplo, começou a juntar dinheiro com antecedência.
“Já vinha pensando sobre isso desde o nascimento do meu primeiro filho e o processo durou quase oito anos. Calculei junto ao meu marido quanto que precisaríamos para manter a nossa casa, sem mudar o ritmo da família ou afetar nossa saúde financeira”, afirma.
Além do financeiro, tirar um ano sabático também exige determinação. Segundo psicóloga organizacional e trabalhista Juliana Ferrari, é impossível ter controle de tudo. “É preciso assumir riscos, pois podem acontecer mudanças, desafios e oportunidades. É um momento de grande reflexão que pode, inclusive, mudar perspectivas de vida”.
Mesmo com os riscos, Jordana não se arrepende da escolha. Seu projeto começou em junho de 2021 e durou até junho deste ano. “Foi prazeroso poder levar meus filhos na escola, no futebol, ir ao supermercado às 15h. Tudo que antes eu fazia só aos fins de semana, correndo, podia fazer com tranquilidade no meio de semana”.
Além da família, a publicitária também pode se dedicar a outros projetos pessoais, como atividades físicas e realização de cursos, que não necessariamente estavam ligados a sua formação. “Brinco dizendo que eu me sentia uma pessoa rica, podendo fazer tudo o que eu queria na hora que eu queria”, completa.
Retorno
Um fator que preocupa quem deseja tirar um ano sabático é o retorno ao trabalho. A psicóloga Juliana afirma que essa volta pode ser tranquila, desde que o tempo parado seja bem aproveitado. “É importante ter feito algum curso de extensão e manter as conexões de trabalho, mesmo que sejam virtuais. Se desligar totalmente da carreira pode ser um problema na hora de retornar ao mercado”.
É comum que muitas pessoas desistam do ano sabático por não estarem confiantes. Juliana lembra que não existe momento ideal. “Tudo depende do tamanho da reserva financeira, da própria organização, dos objetivos e da experiência no mercado. É preciso ter um bom planejamento, mas cuidado para não ficar travado, sem partir para a ação”.
Com o tempo livre, Jordana aproveitou para reorganizar a própria carreira. Com a experiência e os contatos que tinha, investiu na abertura da própria empresa, que começou a operar em julho deste ano, exatamente quando ela planejava retornar ao mercado de trabalho.
Ela conta que chegou a receber algumas propostas durante o período, mas nenhuma que fosse suficiente para abdicar do próprio sonho. “Peguei tudo aquilo que aprendi nesses 22 anos e comecei a passar para o mercado de trabalho, através da minha própria empresa”. (colaborou Lucas Amancio)
Como se preparar
Um ano sabático exige muita disciplina financeira. A principal recomendação para que este projeto não se torne um pesadelo é fazer um bom planejamento que permita realizar todas as metas estabelecidas. E pra isso, uma pergunta deve ser respondida: de onde virão os recursos financeiros para esse período?
Segundo o consultor financeiro João Elias Martins, o primeiro passo é identificar todos os gastos atuais, os colocando em uma planilha. Isso inclui os gastos fixos (aluguel, água e luz), os compromissos já assumidos (financiamentos, seguros, convênios) e os gastos com lazer (viagens, restaurantes, passeios).
A partir do resultado é necessário fazer um cálculo. Supondo que a soma destes compromissos totalizem R$ 5.000/mês, a pessoa pretende tirar um período sabático de seis meses precisa ter pelo menos 6 x R$ 5.000 = R$ 30.000.
O segundo passo é identificar como será o padrão de vida durante o período sabático. “É preciso analisar se o custo de vida será mais caro ou mais barato que o atual”, afirma o consultor. A partir disso, incluir os gastos variáveis na poupança para o período.
Outra dica importante é não se empolgar olhando o “montante” guardado, pois isto gera um desejo inconsciente de se gastar mais do que o orçado no inicio do período. A consequência pode ser desastrosa no fim do período. É comum que este tipo de desejo apareça em viagens, em que se gasta muito nos primeiros dias e, no fim, não há reserva financeira.
Para períodos sabáticos longos, outra dica é ter alguma outra fonte de renda, (além da reserva financeira) que garanta a subsistência da pessoa no período, como um trabalho remoto ou pequenas atividades empreendedoras, que podem ser realizadas ainda que esteja viajando.
“Outra dica são os investimentos que geram rendimentos suficientes para manter o custo de vida durante o período sabático (alugueis de imóveis ou até mesmo de aplicação financeiras)”, finaliza o consultor.
Demissão silenciosa
No último ano, um outro movimento tem se popularizado no mercado de trabalho de vários países do mundo: o “quiet quitting”. Chamado de demissão silenciosa em português, ele consiste em trabalhadores que fazem apenas o que está definido no contrato de trabalho, firmando limites bem estabelecidos entre trabalho e vida pessoal.
O movimento ganhou força durante a pandemia de Covid-19, quando muitas pessoas tiveram que adotar o trabalho no formato de home office. Os adeptos a este movimento têm em mente que o excesso de trabalho, rotinas com grande carga horária e muitas metas não são práticas saudáveis. Além disso, a falta de motivação no local de trabalho e a má remuneração ajudam a intensificar esse sentimento.
Nos casos em que esses limites são ultrapassados, os trabalhadores preferem pedir demissão a se adaptar às novas demandas. Para se ter uma ideia, em julho deste ano o Brasil registrou recorde no numero de demissões em 12 meses. Foram 6,467 milhões de pedidos, o equivalente a 32,4% dos desligamentos no período.
Segundo a especialista em carreira na Fibra RH, Ligia Pícoli Rodrigues Lucas, o movimento não é passageiro e representa uma necessidade de adaptação das empresas. “É uma mudança no perfil do mercado de trabalho mundial, pós-pandemia”.
Mas, se engana quem pensa que a demissão silenciosa e o período sabático são a mesma coisa. Os adeptos ao movimento não querem parar de trabalhar, mas aceitam essa consequência caso seus limites sejam desrespeitados. “O quiet quitting tem por principio não se desligar do trabalho e sim limitar suas entregas de acordo com o que foi definido em contrato, sem exceder carga horária e atividades que não estejam no escopo”, completa. (LA)