Diário da Região
DESAFIOS DA RETOMADA

'O crédito é a graxa da economia', diz Ricardo Amorim durante palestra em Rio Preto

Economista Ricardo Amorim afirma que a disponibilização de crédito é fator fundamental para destravar investimentos em indústrias e empresas; veja entrevista especial

por Felipe Nunes
Publicado em 17/11/2021 às 22:16Atualizado em 18/11/2021 às 08:40
Economista Ricardo Amorim faz palestra para empresários e convidados do Ciesp (Johnny Torres 17/11/2021)
Galeria
Economista Ricardo Amorim faz palestra para empresários e convidados do Ciesp (Johnny Torres 17/11/2021)
Ouvir matéria

“O crédito é a graxa da economia. Se não tiver graxa, a engrenagem fica meio travada”. A frase é do economista Ricardo Amorim, que esteve em Rio Preto nesta quarta-feira, 17, durante palestra para empresários e representantes de entidades de classe em evento organizado pelo Ciesp Noroeste Paulista.

Segundo o economista, a falta de confiança na economia brasileira é um dos reflexos da instabilidade política instaurada pelo governo e uma das razões pela qual o País sofre atualmente com falta de investimentos. Amorim avalia que a falta de crédito pode provocar um efeito colateral capaz de afetar toda uma cadeia, desde empresários, até consumidores e trabalhadores, gerando diversos impactos sociais negativos.

A crise acaba sendo potencializada pela inflação elevada e pela alta taxa de juros, medida adotada pelo Banco Central para frear o aumento nos preços. “Essa política é efetiva, infelizmente ela veio mais tarde do que deveria e num ritmo mais lento”, afirma. O risco, segundo o especialista, é de que a alta nos juros possa provocar uma recessão por causa da queda no consumo.

O ano de 2022, período eleitoral, será um ano de incertezas, com menos investimentos e menos consumo. “Essa, talvez, seja a eleição mais polarizada da história da pós-redemocratização do Brasil. Então, tudo isso atrapalha a economia”.

Confira a entrevista que o economista concedeu ao Diário.

Diário da Região – que avaliação você faz do cenário econômico atual para o empresariado do setor industrial?

Ricardo Amorim – A indústria brasileira vive hoje uma oportunidade que não tem há muito tempo. Por conta de um dólar muito alto e Real muito desvalorizado, a gente ganhou temporariamente uma condição de competitividade que não tinha. A questão é: o que a gente precisa fazer para manter essa condição? E aí a gente está falando de uma série de reformas para aumentar a produtividade da economia brasileira. A gente precisa melhorar a educação, precisa ter flexibilização da legislação trabalhista, precisa de uma boa reforma tributária – porque, infelizmente, a proposta de reforma tributária que foi enviado ao Congresso não resolve - e aumentar a automação na indústria. Se a gente conseguir fazer isso tudo, a gente vai ter a oportunidade de ouro. Mas não são poucos os desafios.

Diário – o Brasil passa por um período marcado por alta da inflação e com altos níveis de desemprego. O que deveria ter sido feito para ajustar essa situação?

Amorim – A questão do desemprego elevado no Brasil foi muito mais consequência de uma péssima gestão na pandemia do que de uma má gestão econômica. Do ponto de vista econômico, o governo fez o que precisava ser feito. Do ponto de vista de gestão da pandemia, não. O Brasil foi, infelizmente, um dos países com piores resultados [na gestão da pandemia]. Por que é importante destacar isso? Porque isso gerou medo. Medo tanto do consumidor, que não queria gastar e eventualmente perder o emprego e ficar sem dinheiro, e medo no empresário, que decidiu não investir por não saber se ali na frente teria que parar tudo de novo. Mais recentemente, o processo da corrida eleitoral ficou mais óbvio e o governo passou a adotar políticas econômicas muito mais populistas, e que não ajudaram a gerar confiança. O que atrapalhou não foi necessariamente a economia, foram os maus resultados na parte da gestão da saúde.

Diário - Você acredita que a alta de juros está sendo uma política correta para tentar conter a inflação? Quais os mecanismos ideais?

Amorim – Essa política é efetiva. Infelizmente ela veio mais tarde do que deveria e num ritmo mais lento. E, por consequência, o tamanho e a elevação dos juros serão maiores do que eles precisariam ter sido. A economia funciona como um paciente, se você demora para responder à doença, a dose de remédio que você precisará para atingir o mesmo resultado será maior. E todo remédio tem efeito colateral. Com ela [inflação] mais forte, é preciso de uma dose maior para ela não aumentar. Tanto que a expectativa de elevação da taxa de juros agora em dezembro é a maior que a gente teve na história brasileira. O problema é que subir muito os juros encarece muito o crédito. Encarece muito o crédito, as pessoas vão comprar menos e, ao comprar menos, as empresas vão ter mais dificuldade de vender e elas não vão poder subir os preços. Isso segura a inflação, mas gera uma recessão. Infelizmente, é esse o cenário que a gente tem para o ano que vem. Crescimento econômico baixíssimo ou até uma nova recessão econômica. Por outro lado, a inflação vai cair.

Diário - quais as perspectivas para a economia nacional em 2022, ano marcado pela disputa eleitoral?

Amorim - O ano eleitoral sempre atrapalha, porque ele gera incertezas. Incerteza gera menos investimento e menos investimento gera menos consumo. Com menos consumo, as empresas vendem menos e contratam menos também. Então, tem todo um círculo vicioso que é causado pelo ano eleitoral. E, essa, talvez, seja a eleição mais polarizada da história da pós-redemocratização do Brasil. Então, tudo isso atrapalha a economia sim.

Diário - O governo anuncia o Auxílio Brasil, benefício temporário, mas não responde de onde virão os recursos. Acredita que essa medida pode trazer impactos negativos para as contas públicas? E, de fato, é uma ajuda ao brasileiro?

Amorim – Já está impactando. Um dos efeitos quando o governo mandou a proposta de expandir os recursos do Auxílio Brasil, sem definir de onde e falando ‘olha, a gente não vai respeitar as regras do teto de gastos dessa forma’, foi que em dois dias a bolsa brasileira caiu 7% e o dólar subiu 7%. Com o dólar mais alto, significa produtos importados mais caros, inflação mais alta e, por consequência, juros mais alto, menos crédito e menos crescimento. Então, a gente já está tendo os impactos negativos. E o problema não é o Auxílio Brasil, o problema é não ter as fontes de financiamento definidas. O governo poderia gastar com isso, basta cortar gastos com outra coisa. Como ele não fez isso, aí é que o problema surgiu.

Diário - Para o empreendedor de Rio Preto – em geral micro e pequeno – o que pode ser feito para acelerar essa retomada da economia? Dá tempo ainda neste ano?

Amorim - Setores diferentes tiveram e têm, nesse momento, desempenhos diferentes. Ao longo da pandemia como um todo, o setor que mais sofreu foi o de serviços. Agora, com o processo de reabertura, as pessoas querem voltar a fazer o que elas não puderam ao longo desses quase dois anos, como ir a um cinema, ver um show ou viajar. Por isso, esses setores estão recuperando com mais força. Por outro lado, o setor da indústria está tendo um desafio adicional, que não é só a dificuldade de as pessoas compraram, eles estão com dificuldade de produzir porque estão faltando componentes. Para a indústria, não dá mais para aproveitar para o Natal se o empresário não se preparou e não produziu antes. Indústria produz e tem que vender para o comércio para estocar antes. Já era, ou ele aproveitou ou ele não aproveitou. Não dá mais tempo. Agora, no setor de comércio e principalmente de serviços ainda dá tempo de começar a retomada.