Diário da Região
AUXÍLIO, AO RESGATE

Inflação corrói poder de compra do Auxílio Brasil

Inflação corrói o poder de compra do benefício, ao mesmo tempo em que número de famílias que depende do programa quase dobra

por Lucas Israel
Publicado em 06/08/2022 às 19:31Atualizado em 06/08/2022 às 19:45
Tamara Antunes Guimarães tem seis filhos e recebe R$ 600: valor é gasto rapidamente nas despesas (Guilherme Baffi 2/8/2022)
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Tamara Antunes Guimarães tem seis filhos e recebe R$ 600: valor é gasto rapidamente nas despesas (Guilherme Baffi 2/8/2022)
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Principal programa de transferência de renda do governo federal, o Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família) perdeu seu poder de compra nos últimos dez anos impactado pela inflação, ao mesmo tempo em que aumentou o número de pessoas dependentes dessa renda para sobreviver em Rio Preto.

A correção do Auxílio Brasil foi de 65% entre julho de 2012 e junho de 2022. Nesse mesmo período, a inflação chegou a 85,2%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), de acordo com compilação do Banco Central. Ou seja, nessa relação há uma diferença de 20,2%.

Enquanto houve redução no valor real do benefício, o número de famílias que fazem parte do programa praticamente dobrou. Segundo o Ministério da Cidadania, em julho de 2012 eram 7.724 famílias beneficiadas na cidade, enquanto em junho deste ano eram 15.941, o que representa um aumento de 106,38%.

Dez anos atrás, o valor médio que cada família recebeu em Rio Preto era de R$ 123,63. Hoje, o valor médio pago é de R$ 220,14, também segundo levantamento do Ministério da Cidadania. Nesse período, houve uma alta nominal no valor do benefício, como se pode observar, entretanto, se o aumento acompanhasse o acumulado da inflação no período, o valor do benefício teria de ser R$ 229.

Quando criado em 2004, o Bolsa Família tinha o papel de unificar diversos programas assistenciais criados pelo governo federal com o objetivo de diminuir a pobreza, atenuando os problemas gerados em curto prazo e interrompendo a transmissão da pobreza de uma geração para outra. O valor do benefício varia de acordo com o número de filhos e as condições sociais, indo de R$ 120 a R$ 1,2 mil, atualmente.

A auxiliar de limpeza Elizabete Marcolino da Silva Pinto veio do Maranhão para Rio Preto em 2011, com o então parceiro. Em 2014, eles se separaram e desde então ela era moradora da Favela da Vila Itália. Para sustentar os quatro filhos, o jeito foi recorrer ao Bolsa Família. O valor total recebido é de R$ 1,2 mil. “Esse dinheiro não rende. Acabo usando para complementar o dinheiro da cesta básica, comprando arroz, macarrão e feijão. Também mudei a mistura. Hoje, é só ovo e frango. De vez em quando compro carne vermelha, quando as crianças pedem muito”, afirma.

A realidade de Elisabete é a mesma de outras 15 mil famílias da cidade. Número que quase dobrou ao longo dos últimos dez anos. Segundo dados do Ministério da Cidadania, atualmente são 15.945 famílias assistidas pelo programa federal na cidade, valor inflado pelo pós-pandemia e pela mudança do Bolsa Família para o Auxílio Brasil, em janeiro de 2022. Na virada do último ano, o número de beneficiados saltou de 11.334 para 15.901 de dezembro para janeiro. Em fevereiro, houve o pico de 16.727 famílias cadastradas, mas desde então oscila pouco mês a mês.

Pobreza

Segundo o governo federal, no Auxílio Brasil, são consideradas famílias em extrema pobreza as que têm renda de até R$ 100 mensais por pessoa. No Bolsa Família era R$ 89. As famílias em situação de pobreza pelo novo programa são as com renda mensal de até R$ 200 por pessoa. Antes, o valor era R$ 178, o que deve aumentar ainda mais o número de pessoas recebendo o benefício.

Com a inflação, que voltou a bater dois dígitos em um ano em 2021 e o achatamento da renda dos trabalhadores, as famílias que necessitam do dinheiro precisam utilizar o dinheiro a conta-gotas para não desperdiçar e maximizar o uso do benefício.

Tamara Antunes Guimarães é auxiliar administrativa, tem seis filhos e recebe um auxílio de R$ 600. Embora ela e o marido trabalhem com carteira assinada, o dinheiro evapora da conta apenas em uma ida ao supermercado. “A gente passou a medir o óleo com uma colher para tentar economizar. São seis crianças e dois adultos, então o consumo em casa é muito alto. Fora o gasto com fraldas, o alto preço do leite. O dinheiro entra e já sai”, conta.

Peso

Segundo o economista Paulo Feldmann, da Universidade de São Paulo (USP), o ritmo de crescimento da inflação prejudica ainda mais as pessoas mais pobres, já que as outras classes sociais ainda conseguem contornar as sucessivas altas. “A inflação pesa justamente para essas famílias, que são as que mais sofrem porque não podem aplicar o dinheiro excedente para cobrir a perda da inflação. Elas vivem subsistindo. Vão ao supermercado a cada semana e compram menos. Elas não têm como proteger o dinheiro”, diz.

Ainda assim, o economista afirma que o auxílio ainda é muito importante para garantir a sobrevivência das famílias. “Com essas medidas, o governo ajuda aproximadamente 18 milhões de famílias, mas isso significa aproximadamente 30% dos brasileiros. As pessoas estão comendo coisas de muito pior qualidade e ainda tem a questão da moradia. Se não tem como pagar o aluguel, a pessoa vai para o meio da rua. Essa é a massa de pessoas mais atingida pela inflação”, afirma.

Crises agravam cenário

O aumento no número de famílias que necessitam do Auxílio Brasil tende a continuar em alta em função da ampliação do ciclo da pobreza. Segundo a doutora em Ciências Sociais pela Unesp, Camilla Marcondes Massaro, professora da PUC-Campinas, as sucessivas crises econômicas desde 2012 vêm agravando a condição financeira dos brasileiros. “No caso do nosso País, as crises vêm aumentando significativamente o índice de pobreza, trazendo nos últimos três ou quatro anos o Brasil de volta ao mapa da fome”, diz.

A especialista ressalta que a discrepância no valor do auxílio em relação à inflação mostra que o benefício tem se tornado “insuficiente para suprir as necessidades básicas da população mais vulnerável.”

Até o momento, não há sinalização de que os programas sociais serão mantidos, o que torna a situação desta camada da população ainda mais incerta no País. “Com as decisões do governo federal e do Ministério da Economia acerca do que é prioritário ou não no nosso País. Se continuar assim, a possibilidade de redução dessa quantidade de pessoas não existe, pelo contrário, só tende a aumentar”, afirma.

Segundo o professor de economia da USP, Paulo Feldmann, os brasileiros de outras classes sociais também têm de lidar com a perda de poder de compra causada pela inflação, o que pode impulsioná-los para baixo na pirâmide social. “Esse auxílio é importante, mas só para essas pessoas (em estado de vulnerabilidade social). O resto do País continua tendo uma perda de renda muito importante”, diz. (LI)

Benefício tem reajuste

A partir do próximo dia 9, o valor médio do auxílio salta para R$ 607,88 por família. O Ministério da Cidadania também informou que foram incluídos mais 2,2 milhões de famílias na folha de pagamento de agosto. Segundo a pasta, com a medida, o governo zerou a fila de espera pelo benefício. Para isso, o governo vai injetar R$ 26 bilhões no programa até o fim do ano.

Para as famílias em situação de pobreza é necessário que apresentem, em sua composição gestantes, mães que amamentam, crianças, adolescentes ou jovens entre 0 e 21 anos incompletos.

Outra obrigatoriedade é que a família esteja inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, com seus dados atualizados há menos de dois anos, além de atender aos critérios de renda e condicionalidades do programa. (LI)

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