Diário da Região

Lula autoriza abertura de processo de reciprocidade

A Lei de Reciprocidade Econômica permite que o País responda a medidas unilaterais adotadas por países ou blocos econômicos que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira

por Agência Estado
Publicado em 29/08/2025 às 21:06Atualizado em 30/08/2025 às 13:07
Brasília (DF), 28/08/2025 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião bilateral com o Presidente da República do Panamá, José Raúl Mulino, no Palácio do Planalto. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil (Antonio Cruz/Agência Brasil)
Brasília (DF), 28/08/2025 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião bilateral com o Presidente da República do Panamá, José Raúl Mulino, no Palácio do Planalto. Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil (Antonio Cruz/Agência Brasil)
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva autorizou e o Itamaraty acionou a Câmara de Comércio Exterior (Camex) para iniciar consultas, investigações e medidas com vistas à aplicação da Lei da Reciprocidade Econômica contra os Estados Unidos, como resposta ao tarifaço de 50% que atinge setores e produtos brasileiros.

Assim que a Camex acusar recebimento do pedido, o Itamaraty comunicará a decisão oficialmente ao governo Donald Trump, o que pode ocorrer em dias, ou até horas, às vésperas, portanto, do início do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, por tentativa de golpe, no Supremo Tribunal Federal (STF).

A Lei de Reciprocidade Econômica, sancionada por Lula em abril, permite que o País responda a medidas unilaterais adotadas por países ou blocos econômicos que impactem negativamente a competitividade internacional brasileira. A adoção das contramedidas deve buscar minimizar o impacto sobre a atividade econômica e evitar custos administrativos desproporcionais.

As respostas podem ser: imposição de tarifas, taxas extras ou restrições sobre importações de bens e serviços de um país; suspensão de concessões comerciais e de investimentos; suspensão de obrigações relativas a direitos de propriedade intelectual.

“A Lei da Reciprocidade do Brasil equivale à Seção 301 dos EUA, foi aprovada pelo Congresso com apoio de todas as tendências ideológicas, contém rito e prazos, sem arbitrariedades, e visa defender o interesse nacional”, justificou o chanceler Mauro Vieira ao Estadão, tentando evitar um clima de guerra, dando um caráter técnico e formal à iniciativa e defendendo a abertura de diálogo e negociações com o governo norte-americano.

Vieira consultou o presidente Lula sobre o uso da Lei da Reciprocidade na sexta-feira passada, durante viagem à Colômbia, e combinou o início do processo na última terça-feira, quando o tema foi tratado também com outros ministros, à parte da segunda reunião ministerial do ano.

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, que está no México, participou ativamente da decisão, sendo avisado do envio do ofício à Camex na tarde desta quinta-feira, 28, por telefone.

MUDANÇA

O governo brasileiro vinha negando sistematicamente a intenção de usar a Lei da Reciprocidade, inclusive em contatos com setores privados, mas decidiu que só abrindo essa frente haverá alguma chance de início de diálogo e negociação com os EUA - que, até agora, têm agido unilateralmente e fechado portas e ouvidos para as ponderações e argumentações do Brasil.

Lula, Alckmin e Vieira concluíram que não sobraram alternativas a não ser recorrer a um instrumento legal, legítimo e equivalente à Seção 301, usada por Trump para investigar práticas comerciais do Brasil e até Pix, desmatamento e a Rua 25 de Março, em São Paulo. Assim como o Brasil respondeu aos questionamentos civilizadamente, em mais de 80 páginas, espera que os EUA aja agora da mesma maneira. Trump, porém, é considerado “imprevisível”.

A expectativa é de que Trump finalmente abra espaço para conversas e um acordo quanto às tarifas, mas a decisão de Lula é clara: se isso não ocorrer, o Brasil irá até o fim, até a efetiva aplicação da Lei da Reciprocidade.

PRAZO

Se cumpridos todos os ritos e prazos máximos, inclusive de consulta da Camex aos ministérios envolvidos, como Desenvolvimento, Agricultura e Ciência e Tecnologia, a aplicação da Lei só deverá ocorrer em 210 dias a partir desta quinta-feira. Não significa, porém, que os prazos não possam ser reduzidos.

Além da Lei de Reciprocidade, aprovada no contexto de negociações com a União Europeia, e sob a liderança da senadora Tereza Cristina, ex-ministra da Agricultura do governo Bolsonaro, o Brasil também abriu consultas formais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o tarifaço de Trump, num processo que pode chegar à abertura de um painel para cobrança de explicações a Washington.

O recurso à OMC, porém, tem peso mais político do que prático, diante do enfraquecimento da própria organização e dos demais organismos multilaterais na era Trump. Numa terceira frente, a Advocacia-Geral da União (AGU) contratou um escritório de advocacia nos EUA para defender o País do tarifaço.

Em reunião com o seu correspondente em Washington, o chefe do Departamento de Estado Marco Rubio, Mauro Vieira já havia lembrado que o Brasil é deficitário nas relações comerciais com os EUA e tem um regime democrático que respeita o devido processo legal e a independência entre os Poderes.

Advertiu, assim, que não há nenhuma possibilidade de negociação com base no processo de Bolsonaro, pois o presidente Lula, “além de não querer”, está impedido pela Constituição de intervir em outro poder, como chegou a exigir Trump em carta a Lula pelas redes sociais, considerada não recebida pelo Itamaraty.

Autoridades brasileiras negam, porém, que haja uma conexão direta entre o “timing” da deflagração de providências para o uso da Lei da Reciprocidade contra os EUA e o início do julgamento do “núcleo crucial” da tentativa de golpe de Estado, marcado para a próxima terça-feira, 2, que poderá levar o ex-presidente Bolsonaro à condenação e à prisão definitiva. Segundo essas pessoas, são dois processos totalmente independentes — apesar da insistência de Trump de condicionar uma coisa à outra.

Indústria diz não ser o momento

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera que “não é o momento” de o Brasil aplicar a Lei da Reciprocidade Econômica contra os Estados Unidos, e avalia que é preciso insistir no “uso de instrumentos de negociação” para reverter os efeitos negativos das tarifas norte-americanas sobre as exportações brasileiras.

Em nota, o presidente da CNI, Ricardo Alban, diz que agora é necessário “cautela e discussões técnicas”, e que uma comitiva liderada pela confederação, com mais de 100 líderes de associações e empresários industriais, desembarcará no começo da semana que vem em Washington para falar com empresários e representantes do poder público dos Estados Unidos.

“Precisamos de todas as formas buscar manter a firme e propositiva relação de mais de 200 anos entre Brasil e Estados Unidos”, disse Alban no documento. “Nosso propósito é abrir caminhos para contribuir com uma negociação que possa levar à reversão da taxa de 50% e/ou buscar obter mais rapidamente o aumento de exceções ao tarifaço sobre produtos brasileiros”, acrescentou.

A agenda em Washington prevê encontros entre instituições empresariais brasileiras e suas contrapartes e parceiros nos Estados Unidos, e reunião plenária para discutir os impactos comerciais e estratégias para aprofundar a parceria econômica entre os dois países.

A CNI também vai promover encontros preparatórios para a defesa do setor industrial na audiência pública de 3 de setembro sobre a investigação aberta em julho pelo governo norte-americano nos termos da Seção 301 da Lei de Comércio dos Estados Unidos. (AE)