Diário da Região
CUSTOS

Café continua com preço alto e força mudança de hábitos

Preço da saca do café cai, mas na gôndola dos supermercados o preço continua amargo; consumidores mudam estratégia e associação diz que comerciantes absorveram impacto

por da Redação
Publicado em 17/06/2025 às 17:13Atualizado em 17/06/2025 às 17:21
Dona Brasilina se mantém fiel ao café moído na hora (Arquivo Pessoal)
Dona Brasilina se mantém fiel ao café moído na hora (Arquivo Pessoal)
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Com alta superior a 80% nos últimos 12 meses, o indispensável Café moído passou a ser acompanhado de lupa nas gôndolas dos supermercados. Seja para fazer aquele café pela manhã, em casa, ou numa cafeteria, ou restaurante, todos estão de olho do produto.

Os bares e restaurantes têm evitado repassar os custos ao consumidor. Mesmo diante da inflação generalizada, o tradicional cafezinho fora de casa subiu somente 17% em um ano. Ou seja: quem trabalha com o produto preferiu absorver a alta nos custos para manter a clientela.

Enquanto isso, para agravar a situação, o mercado interno enfrenta dificuldades diante da queda da oferta e do crescimento das exportações.

Por isso, vale tudo na hora de driblar a alta dos preços. Desde reduzir a quantidade de café consumida no dia a dia até a mudança na variedade do produto consumido.

GINÁSTICA

A dona de casa, Brasilina Augusta de Campos Silva, conta que reduziu o consumo diário do café em função dos preços mais amargos.

“Antes eu fazia café duas ou três vezes por dia. Agora só faço uma vez. Tento economizar, faço só de manhã e o que sobra às vezes tomamos mais tarde. O pó está muito caro, mesmo comprando na feira, e eu procuro o mais barato, vejo se consigo um pacotinho mais em conta. Mas a maioria segue os mesmos preços”, diz.

Ela comenta ainda como essa mudança impacta os hábitos da família. “Faz falta, sim. É um costume tomar um cafezinho à tarde, oferecer para quem chega. Mas não tem jeito, tem que segurar. Está tudo mais caro, então a gente vai cortando o que dá”, afirma.

A autônoma Joyce Cristina Castro também relata mudanças no padrão de compra. “Antes eu pagava R$ 17, depois R$ 22, e na hora que vi já estava R$ 37. Nem comprei, caro demais”, diz.

Ela encontrou uma alternativa no comércio local: “Fui na vendinha de bairro e comprei moído na hora, paguei R$ 18,50 em 250 gramas, fiquei ‘chateadíssima’. Ainda é muito caro, mas a gente tem que usar a cabeça, porque moído na hora é ‘super’ forte, cheira a casa de tão forte, então coloco menos pó para render mais. A gente não para de consumir, mas diminui. Sem café não dá”, conta.

PREÇOS

O preço do café moído disparou 82,24% nos últimos 12 meses, conforme os dados mais recentes do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), referentes a maio de 2025, a maior elevação entre os produtos alimentícios monitorados pelo índice.

Por outro lado, os valores das sacas de 60 kg dos cafés Arábica e Robusta caíram 16,2% e 23,2%, respectivamente, nos últimos 30 dias, o que indicaria uma queda nos preços. Mesmo assim, essa redução não chega até o bolso do consumidor no mesmo ritmo.

FORA DE CASA

O café servido fora de casa teve aumento de 17,07% em 12 meses. Embora a alta esteja acima da inflação geral acumulada (5,32%), ela representa somente cerca de um quinto da variação registrada no café moído, principal insumo da bebida.

Segundo o Datalab da Abrasel, o preço médio do café no Brasil é de R$ 6,25. Já as versões elaboradas, como cappuccino, mocha e café com licor, têm valor médio de R$ 17,91.

“O café é um dos produtos que mais subiram nos últimos meses, e isso tem pressionado muito os bares e restaurantes. Muitos empresários estão buscando alternativas mais eficientes, como substituir o café coado pelo café em cápsulas, que tem rendimento mais previsível. Mesmo assim, o setor tem tentado enorme para segurar os preços ao consumidor”, afirma Paulo Solmucci, presidente-executivo da Abrasel.

FATORES

Segundo o economista José Mauro da Silva, o aumento do café moído reflete principalmente fatores climáticos e logísticos, afetada por estiagem ou excesso de chuva durante o período da florada, o que reduziu a produtividade. “Que é comum, ainda assim, espera-se uma queda na oferta em 2025 e 2026 de 3,6%, em relação à 2024, segundo o IBGE, devido à redução da área plantada e quebra no rendimento”, afirma.

“Movimentos mensais no preço são incapazes de levar a uma queda no mercado e não chega ao consumidor final, como o Café Arábica. A saca fica mais barata e o café moído mais caro, sendo somente oscilação em Bolsas Mercantis”, analisa José Mauro.

Além disso, ele destaca que os custos internos também aumentaram. “Outro fator é o aumento dos custos de logística interno, devido ao aumento do preço dos serviços, diesel, pedágios”, complementa.

Exportações

No mercado externo, o desempenho contrasta com o cenário interno. Em março de 2025, as exportações brasileiras de café somaram 3,2 milhões de sacas de 60 kg — queda de 24,9% no volume em comparação ao mesmo mês de 2024. Contudo, a receita cambial foi de US$ 1,3 bilhão, um aumento de 41,8% frente ao mesmo período. Isso ocorreu graças à valorização da saca, que passou de US$ 212,8 para US$ 401,8 — alta de 88,7%.

Para os cafés especiais — de maior qualidade ou com certificação de práticas sustentáveis — houve incremento de 31% nas exportações nos três primeiros meses de 2025, totalizando 2,8 milhões de sacas, contra 2,1 milhões em igual período de 2024.

O economista reforça que a exportação se mostra mais vantajosa para o setor, o que restringe ainda mais a oferta no mercado interno. “O que se verifica é que, é mais vantajoso para o setor a exportação, o que se vê pelo recorde das receitas decorrentes da exportação”.

Para os próximos meses, o cenário ainda é de pressão sobre os preços internos, mesmo com sinais de retração no consumo. “Não há previsão de queda nos preços internos do café, pois, o aumento na produção leva cerca de três a cinco anos. Ainda que tenha queda no consumo, a exportação continuará subindo, o que é um dilema setorial”, afirma o economista.

Ele conclui que também não há efeito real entre desaquecimento da demanda interna sobre os preços. “Efeito da queda na demanda interna para pressionar os preços internos é zero, lembrando que o Brasil é um dos maiores produtores de café junto ao Vietnã e temos um café cada vez mais caro no mercado interno. Então, há uma falta de gestão setorial da equipe econômica”, critica. (Colaborou Ana Beatriz Aguiar)